Vozes entrevista: uma conversa sobre a sociedade incivil, com Muniz Sodré
Focado na História que já estamos vivendo, Muniz Sodré fala sobre a sociedade atual e sua falta de civilidade
Capitalismo financeiro, mídia e algoritmos são as bases práticas da mutação do velho civilismo liberal. As consequências sociais, políticas e culturais do fenômeno do “iliberalismo” são inquietantes por sua recorrente ameaça à estabilidade da democracia e das instituições em regiões diversas do planeta. Esse é o mundo-zero dos valores ou a “sociedade incivil”, agora descrita e analisada por Muniz Sodré.
Neste livro, Sodré demonstra como a comunicação funcional, enquanto código da financeirização e aliada à inteligência artificial, vem criando realidades paralelas nos níveis da fala, das instituições e das ações políticas.
Em uma entrevista exclusiva, Muniz Sodré respondeu a algumas perguntas sobre o livro. Confira abaixo!
Editora Vozes: No seu novo livro, “A sociedade incivil”, você diz que com a Globalização, a comunicação passou a ser proclamada e vivida. O que a comunicação representa hoje para a sociedade?
Muniz Sodré: Sim, com o advento da globalização, desde a segunda metade do século passado, a comunicação passou a ser vivida como uma utopia cultural na suposta reconfiguração das relações humanas, mas na realidade como uma funcionalidade indispensável ao mercado e às governanças. Mas há um desconhecimento generalizado do que seja realmente comunicação. Paulo Freire falava da comunicação como separação e ponte. Eu uso a metáfora do “pharmakon”, que é tanto veneno como cura. Ela representa essa dupla face para sociedade: um lado venenoso (risco para as instituições e para as subjetividades) e um lado curativo (as possibilidades comunitárias e política de recomposição do elemento humano.
EV: A liberdade de expressão nunca foi tão praticada. Mas, por que, tantas vezes, ela tende a ir para um lado negativo nos dias de hoje?
MS: A liberdade de expressão também corre perigo. Expressar-se livremente não é falar como fala o papagaio. Toda liberdade supõe responsabilidade social, e a fala que se queira livre tem que se investir da ética de linguagem necessária à coesão da Polis. O jornalismo clássico, de natureza cívica, orientou-se nesse sentido, apesar de todos os desvios. Mas a rede eletrônica introduz uma realidade paralela, cujo principal atrativo é o êxtase da fala, análogo ao êxtase da droga. Deve ser este o lado negativo a que você se refere.
EV: Já não existe mais um monopólio das corporações de mídia. Como isso impactou na sociedade atual?
MS: Os monopólios das corporações de mídia deslocaram-se para os monopólios da “high-tech” (Google, Apple, Facebook etc). Isso vem impactando de modo colossal a sociedade contemporânea, que experimenta um sequestro da fala autônoma pela lógica subterrânea dos algoritmos.
EV: Como chegamos a uma sociedade incivil?
MS: A chave explicativa do advento da sociedade incivil é a combinação de capitalismo financeiro com esvaziamento da política representativa e mídia sem povo.
EV: Seu livro abrange importantes temas. Por que não só o público especializado deve lê-lo?
MS: O desafio de um livro dessa natureza é chegar ao público não-especializado, quer dizer, não habituado ao discurso das ciências sociais. Mas este livro busca ser claro. É pelo menos o que eu espero.
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Sobre o autor:
Muniz Sodré é professor-titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pesquisador (CNPq) e escritor, com dezenas de obras publicadas que versam sobre mídia e comunicação, cultura nacional, técnicas de texto jornalístico e ficção (novelas e contos), alguns dos quais traduzidos na Itália, Espanha, Argentina e Cuba. É professor-visitante e conferencista em várias universidades estrangeiras.
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