As bem-aventuranças do líder
Por: Robson Santarém
Feliz é quem faz a jornada do herói conscientemente. Tornar-se-á líder de si mesmo e, como agente de transformação, inspirará muitos pela força do exemplo.
A jornada mítica do herói revela um modelo com o qual podemos aprender a viver e a liderar, pois esse é seu tema: abandonar uma condição, encontrar a fonte da vida e, ao passar por sacrifícios, alcançar nova consciência. Nesse sentido, o mito tem um caráter pedagógico que nos mostra como nos tornar mais humanos e, portanto, a liderarmos de modo mais efetivo. Viver consciente significa estar desperto para os sinais da vida e assumir com responsabilidade as escolhas e desafios, assim como enfrentar com grandeza os dragões, contando com os aliados para realizar o propósito.
Eis porque o mito continua atual: ele aponta para o essencial, para a dimensão do mistério e transcendente que nos habita e que nos faz descobrir quem somos e como viver em harmonia. Assim, te convido a olhar para si como um herói e perceber nas entrelinhas da sua história como esse mito se manifesta em sua vida. Seguir os seus passos é abrir-se para a possibilidade de viver a vida em toda a sua riqueza e descobrir o quanto o ser humano pode se desenvolver e transcender para realizar a sua missão. A grande bem-aventurança se dará quando percebermos o herói que reside em nosso interior. Ele nos ajudará a dar significado a cada estágio da jornada, a compreender o fardo que carregamos, e como líderes, ajudar os outros a fazerem com consciência a sua própria jornada. Como disse Campbell: “Não precisamos nem mesmo nos arriscar sozinhos na aventura, pois os heróis de todos os tempos já foram à nossa frente. O labirinto é bem conhecido, só temos que seguir os passos do herói.” Se seguirmos cada etapa – Campbell identificou doze – podemos assumir o protagonismo da nossa história, escrevendo e reescrevendo os capítulos, dando-lhes significado e encontrando os recursos que estão presentes em nós para realizarmos a missão que a vida nos confiou.
Que etapas são essas? O que elas nos ensinam? A primeira é quando vivemos ainda inconscientes do nosso propósito. Em seguida vem o CHAMADO. Todos somos convocados a realizar algo na vida, o que é mais que exercer uma profissão. Cada um de nós tem uma missão transcendente a cumprir. Quando a percebemos com nitidez, tudo o mais se torna irrelevante, descobrimos, enfim, o que é a vida. O mais importante é seguir a voz interior, o que implica em fazer escolhas e algumas rupturas… Em que momento você tomou consciência da sua vocação e do líder que há em você?
Pode haver, porém, momentos de RECUSA, quando se prefere não arriscar ou quando a atenção é desviada do foco, o que faz com que a aventura assuma contornos negativos gerando sofrimento, perda de sentido nas ações e o herói se torna vítima das suas escolhas. Como eu, você deve saber que em alguns momentos nós nos recusamos a ouvir a voz interior e seguimos outras vozes… E, cá entre nós, muitas vezes nos damos mal. Sabe-se que quando a pessoa não escuta a voz do seu coração ela pode viver uma esquizofrenia. Infelizmente, o mundo está cheio de gente que parou de escutar a si mesmo.
Mas, quando se está desperto e determinado a realizar o propósito, aparecerá o MENTOR, alguém mais experiente que sinaliza o melhor caminho a seguir. Como diz um velho provérbio: “quando o discípulo está pronto, o mestre aparece”. Na mitologia esse auxílio aparece como forças sobrenaturais que se aliam ao herói para ele cumprir a sua missão. Lembra-se de Gandalf? Merlin? Dumbledore? Você também já encontrou com alguns em seu caminho… O que aprendeu com eles?
Na jornada se faz a TRAVESSIA DO UMBRAL, etapa em que se ingressa em um novo mundo. O herói desconhece o que há além do portal, sabe que há riscos, perigos e também novas possibilidades e por isso ousa atravessar. Algumas travessias são cruciais, abrem novas perspectivas e mudam a nossa história. É um rito de passagem. Dos muitos portais que já foram atravessados, e em especial para se tornar um líder, qual o que você considera o mais impactante em sua vida? Como foi a travessia?
Uma vez realizada a travessia, surgem OS TESTES E OS INIMIGOS. Observe nos contos, novelas e filmes como o protagonista sofre até conquistar a vitória. Em geral não faltam inimigos para dificultar a jornada. Assim também acontece com cada um de nós. Mas os piores inimigos são aqueles que estão dentro de nós. E é a coragem de enfrentar os dragões interiores que nos permite enfrentar os dragões exteriores. Porque, convenhamos, é mais fácil buscar culpados, atribuir a responsabilidade ao inimigo que está do lado de fora…
Feliz é quem tem uma razão de ser e de existir, viverá cada dia com devoção e vencerá todos os obstáculos para cumprir a sua missão.
Assim como surgem inimigos, também surgem OS ALIADOS que nos dão a mão quando mais precisamos. Pode ser até um auxílio sobrenatural, como, por exemplo, nas tais sincronicidades de que nos falou Jung. É em situações de testes que o herói descobre que há um poder benigno que o sustenta. Que aliados têm aparecido em sua jornada sem os quais você não conseguiria passar pelos “testes da vida”? Minha avó dizia que “Deus escreve certo por linhas tortas”; penso o quanto ela estava certa em seus ditados. Nas linhas tortas da vida, quanta ação divina enviando ajuda quando mais precisamos, não é mesmo?
A PROVAÇÃO MÁXIMA significa a passagem por grandes dificuldades. São aquelas graves situações que podem nos levar ao fundo do poço. Mas sabe-se que é no fundo da caverna que se escondem os tesouros. Por isso essa etapa pode se tornar uma oportunidade sem igual de crescimento, tudo vai depender de como se vive. As provações são importantes: não há vitória sem renúncia e sem dor e está provado que a consciência se transforma pelas provas que o herói passa. Ora, liderar a si mesmo implica em superar-se e que liderar pessoas inclui lidar com os dilemas humanos. Em um ambiente de tanta pressão e adversidades, desenvolver essa capacidade é essencial para o exercício da liderança.
Passada a provação, o herói reconhece que a luta não foi em vão e prossegue para a CONQUISTA DA RECOMPENSA. Como no mito, nós queremos uma recompensa. Afinal quando nos dedicamos e nos empenhamos a trabalhar com afinco para atingir um objetivo e alcançá-lo é justo ser recompensado. Porém, é bom lembrar que o autoconhecimento proporcionado pela jornada é a maior das recompensas: nela descobrimos nossas forças, potencialidades, nossas virtudes e limitações e nos tornamos capazes de utilizá-las de forma produtiva e, assim, somos felizes e bem-sucedidos.
Chega o momento de preparar o alforje para RETORNAR PARA CASA. Hora em que o herói se lembra de quando partiu e de quantas coisas desnecessárias carregou, do que deixou pelo caminho e do que o auxiliou na jornada. Assim, o alforje se torna símbolo da sabedoria. Ela permite reinterpretar o passado, lançando luzes sobre os caminhos de ontem e de hoje, e como um farol também sinaliza por onde retornar. É quando reflete sobre o legado. Já percebeu quanto sofrimento gerado pelo apego: apego às coisas, às pessoas, cargos, status… o quanto vale isso afinal? A vida, os valores espirituais, o legado que vamos deixar é muito superior às mesquinharias que podem tornar a jornada tão difícil e sofrida. É preciso esvaziar o alforje de tudo o que não nos serve. Só a sabedoria como a dimensão espiritual da vida é capaz de preencher o vazio do coração.
Tendo percorrido quase toda a estrada, quando chega a essa etapa, o herói já passou por muitos testes, ciladas, enfrentou inimigos e sabe com quem contar. O seu mentor está internalizado e o guia pelos abismos sombrios e sinaliza o momento certo das travessias. Já se livrou dos pesos desnecessários e tem em mente o legado que pretende deixar. Se buscava o “elixir” ou qualquer outra recompensa já considera alcançada. Entendeu que a jornada é a própria recompensa. Assim prossegue confiante sabendo que NOVOS DESAFIOS virão para provar que está pronto para servir.
Ao final, uma nova consciência: abre mão dos seus interesses pessoais porque entendeu que a sua missão é superior. Revela a sua nobreza de espírito, por isso cuida do outro, volta-se para o bem comum e dá a sua vida por algo maior. Sacrifica-se por uma causa porque está TRANSFORMADO! A jornada nos ajuda a descobrir e a honrar aquilo que é essencial em nosso ser. Quando nos colocamos a serviço do propósito da nossa alma, nunca mais seremos os mesmos de antes. Nós nos transformamos: ninguém pode se tornar um grande líder sem empreender essa jornada.
Se essa é uma missão para todos, muito mais para os líderes, pois a quem muito foi dado, muito será pedido; a quem muito foi confiado, muito mais será exigido (Jesus Cristo).
Feliz aquele que empreende a jornada da própria transformação, será reconhecido pela transformação que provocou ao seu redor.
Robson Santarém – Casado, Pai, Administrador especializado em Recursos Humanos, Mestre em Ciências Pedagógicas, pós-graduado Filosofia Moderna e Contemporânea, em Psicologia Junguiana, em Teologia, Ecumenismo e Diálogo Interreligioso, Coach Executivo Senior com credencial ACC International Coaching Federation e Trainer Expert da Points of You. Instrutor da UseCoach no Programa de Imersão em Coaching de Grupos e Equipes É Sócio-Fundador da Anima Consultoria para Evolução Humana, com experiência acumulada em multinacionais e consultoria de Recursos Humanos. Atua como professor dos MBA´s da UFF e Fundação Getúlio Vargas nas disciplinas Liderança e Coaching; Coaching & Mentoring e Valores Humanos na Gestão. É facilitador e palestrante em vários congressos de gestão de pessoas, seminários e cursos de desenvolvimento de lideranças, trabalho em equipe, ética, etc. Membro-Fundador e Diretor de Desenvolvimento da ICF International Coaching Federation Capítulo Rio de Janeiro (2014/2016) e Membro do Comitê da Comunidade de Coaching dos Países de Língua Portuguesa. É autor dos livros: Millennials: O Mundo é Melhor (QualityMark), Precisa-se (de) Ser Humano – Valores Humanos: Educação & Gestão (Editora Vozes), AutoLiderança – Uma Jornada Espiritual (Editora Senac Rio), A Perfeita Alegria – Francisco de Assis para Líderes e Gestores (Ed. Vozes), As Bem-Aventuranças do Líder: a jornada do herói (Ed. Vozes) e é coautor de Puer & Senex – Dinâmicas Relacionais (Ed. Vozes). Mais de 800 horas de experiência em coaching de liderança.
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