Hegel e o poder
Por: Agemir Bavaresco
Hegel e o poder: um ensaio sobre a amabilidade, do autor coreano Byung-Chul Han, acaba de ser traduzido e publicado pela Editora Vozes. Conhecemos a vasta produção bibliográfica do autor que tem uma sólida formação intelectual em renomadas universidades alemãs. Han faz diagnósticos reveladores de nossa sociedade atual desde o cansaço, a violência, a dor, a morte; passando pela perspectiva digital, a beleza, o entretenimento, a cultura; identificando filosofias, estruturas econômicas, religiões até o “Louvor à Terra”. E agora, o autor nos brinda com uma obra de um clássico do pensamento filosófico: G. W. F. Hegel.
Falar na filosofia hegeliana assusta muitos leitores, porém, Han é capaz de escrever sobre Hegel com uma linguagem plástica, acessível, direta e de fácil compreensão. Esse é o mérito do autor, explicitar a sistematicidade do pensamento hegeliano, traduzindo suas categorias para um modo quase coloquial o que é tão complexo na Fenomenologia, Lógica e Filosofia Política hegelianas. Nesse sentido o livro de Han ajuda na recepção da obra hegeliana junto ao público em geral, e junto a comunidade filosófica brasileira, em especial.
O poder é um tema incontornável da Filosofia Política, o qual o autor trata sob quatro perspectivas: A beleza do poder; A fisiologia do poder; A metafísica do poder; e A teologia do poder.
De imediato, no Prefácio, o autor faz questão de apontar os prejuízos sobre o tema do poder: “Com frequência, o poder é levianamente equiparado com coação, repressão ou violência. Mas ele não consiste nelas. A violência separa. O poder une”. E no caso da filosofia hegeliana o poder é constitutivo interno de todas as categorias estruturantes do pensamento lógico-político e histórico.
Em “a beleza do poder” afirma-se que “apenas o espírito é capaz de criar o novo contra as repetições do ser-assim”, ou seja, a interioridade da alma que se externa na realidade, o movimento do interior para o exterior é criador. É isso que Hegel chama de conceito que se realiza no exterior e, ao mesmo tempo, retorna para si, “formando uma unidade e totalidade viva, orgânica”. Então, a beleza do poder está na capacidade do conceito atravessar e reunir o múltiplo no um, na representação sensível da música, da pintura etc., como “recriadora do mundo”, na amabilidade que se esvazia para hospedar as coisas e os acontecimentos em oposição ao desejo e ao poder como autoafirmação.
“A fisiologia do poder” mostra o desejo, a pulsão da autoconsciência pela assimilação, interiorização do outro. O processo de consumir ou digerir busca a unificação com o outro. A violência externa ao objeto o invade e destrói, ao contrário, o poder opera unindo. O espírito teórico é igualmente digestivo, isto é, a idealidade é digestibilidade. Trata-se de retornar do exterior ao interior como poder autodigestivo do pensamento que se alarga e aprofunda. Esse poder do espírito cria um continuum em que se garante a liberdade do outro: “O espírito é eu que é nós, e nós que é eu”.
“A metafísica do poder” explica a lógica do poder hegeliana como uma ‘relação absoluta’, isto é, o movimento absoluto expõe-se e manifesta-se indo ao exterior sem que se perca no exterior, antes encontra-se em toda parte em si mesmo. É uma relação de saída e retorno, uma relação reflexiva, uma autorrelação. O poder absoluto não é repressivo, mas libertador, pois, o todo gera em si diferenças e momentos, reverte-se e volta-se a si neles. E assim que a lógica do conceito descreve a relação meio-fim igualmente como uma relação de poder, toma o objeto para se realizar nele. O poder do conceito é um poder de mediação que atravessa as partes, unindo-as em um todo, ou ainda, é o poder que leva à decisão de sair de si e por meio do outro, do negativo, retornar a si. Enfim, o poder produz um continuum orgânico no qual tudo está mediado com tudo.
“A teologia do poder” aparece como a criação a partir da lógica do poder. O espírito consiste em estar consigo não no vazio, mas no querer, saber e fazer. O poder não é dominação, mas liberdade. A dominação é um estado de subjugação, ao contrário do poder que é libertação do outro. O domínio é violência avassaladora. Por isso, a ideia de uma religião da amabilidade aproxima-se de uma religião budista no conceito do nada vazio. Hegel dá um conteúdo ao vazio do nada na dialética do ser, nada e devir. O nada entendido como poder de negação, nessa relação da tríade inicial da lógica hegeliana tem um poder criativo.
O autor, ao longo do livro, usa uma abordagem fenomenológico-existencial heideggeriana para dialogar com o pensamento hegeliano, o que torna o texto mais suave e de mais fácil acesso ao público em geral, mostrando o poder e a amabilidade da linguagem em favor da apresentação da filosofia hegeliana na plasticidade vibrante do pensamento da contradição e superação, da estrutura e movimento dialético na constituição de todo o real.
Quando vemos, atualmente, o poder exercido como violência e dominação, ódio e exclusão, a relevância do tema do poder como amabilidade emerge no diagnóstico filosófico hegeliano de Byung-Chul Han, uma estratégia de mediação emancipadora para a humanidade e o planeta terra.
Agemir Bavaresco é Doutor em Filosofia pela Universidade Paris I (Pantheon-Sorbonne, 1997). Pesquisa interinstitucional em cooperação e intercâmbio internacional: China (2019) (Peking University e Beijing Foreign Studies University); Índia (2019) (Goa University); África do Sul (University of Johannesburg, 2020). Atualmente é professor do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Pesquisa a partir de um viés interdisciplinar nas áreas de Filosofia Moderna, Filosofia Social e Filosofia Política Brasileira. Dedica-se a atualização do tema Contradições da Democracia e Opinião Pública. CV: http://lattes.cnpq.br/6597683266934574
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