Vita contemplativa – Ou sobre a inatividade
Por: Renato Nunes Bittencourt
Em Vita contemplativa – Ou sobre a inatividade, Byung-Chul Han disserta de que maneira nossa sociedade tecnocrática perdeu definitivamente a capacidade de vivenciar a supressão da urgência do tempo produtivo, que sempre nos leva a querer fazer algo para estarmos economicamente ocupados.
O sistema neoliberal, ao glorificar o “empreendedor de si” (que não possui senhor externo que determina sua ação prática, mas que se explora voluntariamente) conduz ao ápice do aproveitamento de cada instante como uma oportunidade lucrativa de rentabilidade. Com isso a existência humana caminha para o seu esgotamento vital que configura a sociedade do cansaço. Daí temos o problema da positividade que Byung-Chul Han aborda de modo recorrente, a positividade nos lança para uma ação desenfreada e acelerada e exige engajamento laboral ininterrupto para que nos tornemos viáveis economicamente e para que conquistemos uma imagem de êxito junto aos nossos interlocutores.
A atividade hiperbolizada altera nossa relação com a linguagem, tornada meramente instrumental e informacional, destituída de sua poeticidade, afetando as relações humanas, destituídas de intensidade. A pressa imediatista determina o nosso caráter para que estejamos permanentemente ocupados de modo a não adentrarmos no vazio. A lógica tradicional atribui ao ser uma série de atributos, preenchendo-o. Cabe pensarmos um ser regido pelo vazio.
Byung-Chul Han propõe uma crítica abissal ao protagonismo proposto por Hannah Arendt acerca da vida ativa na constituição do homem ocidental na sua inerente marcha interventora sobre o ritmo natural do mundo e sua apropriação sobre as coisas. A vida ativa, em sua crueza, elimina o tempo da contemplação, o tempo da celebração, o tempo da festa, o tempo do silêncio, o tempo do nada. Com efeito, a engenhosidade produtiva do homem associa criatividade com inovação de modo a estabelecer o progresso material, mas tal processo desemboca na despersonalização humana. Uma vida vazia, sem rosto, sem identidade nem alteridade.
A inatividade é uma mudança de paradigmas de nosso modo de ser. Se somos adestrados no decorrer das organizações sociais ao trabalho incessante para produzirmos valor de uso para o mercado, e o espírito neoliberal é a realização por excelência dessa marcha empreendedora, a inatividade reconfigura tempo e espaço, fazendo-nos contemplar a pluralidade vital do mundo circundante e assim consagrarmos nossa existência tal como uma festa eterna. Talvez somente assim tenhamos uma sociedade aderente ao bem viver.
Renato Nunes Bittencourt é Doutor em Filosofia pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia pela UFRJ e Professor do Curso de Administração da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis da UFRJ. Publica constantemente textos sobre a relação entre sociedade do cansaço, ideologia gerencial e administração, assim como alternativas viáveis para a superação desse modelo de vida.
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