Salsichas para cachorro-quente, por Solimar Silva
Às vezes, a competição entre as três coisas de que mais gosto fazer fica acirrada. Comer, dormir e ler são minhas atividades favoritas e, durante o dia, ora estou alternando, ora fazendo essas ações simultaneamente. Sim. Não são raras as vezes em que sonho estar comendo ou lendo – ou as duas coisas.
Então, adoro qualquer época do ano em que temos as tradicionais festas. Geralmente elas são sinônimo de comida. Podem ser as festas de natal, aniversário, ação de graças, e, especialmente, as festas juninas, julinas e até agostinas! Delícias, gostosuras e gordices ali, a nossa disposição, como um convite a cometer um dos sete pecados capitais – e o mais saboroso, diga-se de passagem: a gula.
Parece-me que também é época em que diferenças culturais no que se refere à forma de se servir as iguarias fica ainda mais evidente. Não me refiro a trazer para a mesa do sudeste os pratos típicos do nordeste. Pessoas da mesma região, do mesmo Estado e da mesma cidade podem ser de uma rica diversidade cultural nesse quesito e, se não estivermos abertos para aceitar as diferenças e ter a humildade de perceber que não somos mesmo donos da verdade, podemos ter embates desgastantes.
Foi isso o que aconteceu em uma dessas festas juninas e afins. A anfitriã recebia os convidados e seus pratos saborosos, organizando a mesa do pecado por ordem: caldos, salgados, doces caseiros, doces industrializados e assim por diante. Chegaram ao mesmo tempo as responsáveis pelo cachorro-quente da festa. Uma fez o molho e deixou as salsichas inteiras; outra, cortou as salsichas ao comprido, em tirinhas. Para a anfitriã, tudo bem. O que vale é o gosto de cada um.
Estava tudo bem, até que uma senhora abriu a tampa da panela e virou-se para a anfitriã com ar de desdém, dizendo que ela devia ter fatiado as salsichas. Ué, mas por quê? Perguntou a anfitriã sem entender o que havia de errado com a iguaria trazida por outra convidada. Parece que a senhora ficou pasma com a ignorância da pergunta. E começou a fatiar as salsichas (mais ao menos ao meio, mas com corte diagonal), ainda reclamando que o molho deveria ser passado no liquidificador, pois as crianças não gostavam de cebola ou sei lá o quê.
Saí de perto e fiquei refletindo sobre essa pequena cena.
Como você come seu cachorro-quente? Salsicha ou linguiça? Inteiras? Em tirinhas? Cortadas ao meio? Em tirinhas? Até que ponto a forma como são cortadas as salsichas têm a ver com o sabor dele?
Vou mais além, até que ponto não aceitar que uma simples iguaria seja feita e apresentada de formas diferentes a que estamos acostumados tem relação com nossa inflexibilidade para, verdadeiramente, aceitar e incluir as diferenças? Até que ponto não nos revela tão preconceituosos?
Somos tão donos da verdade. A nossa maneira é sempre tão certa e melhor, que não damos a oportunidade para o outro se manifestar em sua individualidade. Apregoamos que estamos abertos à diferença, desde que o outro seja igual a nós.
O que importa se a salsicha está inteira, cortada ao meio – na horizontal, na vertical, diagonal -, fatiada em pequenos pedaços, misturada ao molho, separada do molho, sem molho nenhum?
Quando vamos nos permitir a manifestação da alteridade sem rotular algo como certo ou errado? Quando vamos nos permitir apreciar a diversidade das salsichas para cachorro-quente?
Solimar Silva – é doutora em Linguística Aplicada e professora há quase 25 anos. Autora de diversos livres, entre eles: 50 Atitudes do Professor de Sucesso e Avaliações mais criativas.
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