Sobre a arte de ensinar, por Solimar Silva

Estava no meio de um sábado, envolvida com matrículas e métricas do curso de inglês que dirijo, quando entrou uma mensagem no whatsapp de uma querida amiga diretora de escola:

Qual a sua opinião sobre a arte de ensinar?

Em um primeiro momento eu fiquei pensando se a junção das palavras arte e ensinar seria uma boa combinação. Afinal, será que estaríamos reforçando o mito de que ser professor é um sacerdócio, destinada a uns poucos chamados, portanto com poucos privilegiados que conseguirão ser professores incríveis.

Lembrei do livro da Vera Candau, A didática em questão (Editora Vozes, 1983) que diz que infelizmente magistério fica na dependência desses poucos privilegiados desses vocacionados. Não queria corroborar com essa ideia de que, para ensinar bem, somente o professor que recebeu o dom especial poderia se sobressair. Mas uma pesquisa rápida no dicionário ajudou a direcionar meus pensamentos para outro caminho.

Arte é a “habilidade ou disposição dirigida para a execução de uma finalidade prática ou teórica, realizada de forma consciente, controlada e racional” e também “conjunto de meios e procedimentos através dos quais é possível a obtenção de finalidades práticas ou a produção de objetos; técnica”.

Então, claro que ensinar tem a ver com arte! Afinal, o fazer docente tem finalidade prática-teórica e pressupõe ação consciente, por meio de procedimentos para se atingir as finalidades pedagógicas planejadas. Não nos iludamos confundindo arte com falta de técnica, de preparo, de dedicação constante. Como diria Paulo Freire, o fazer docente pressupõe competência. Afinal, ninguém quer ser artista mambembe.

Comecei a pensar no teatro, no cinema, na literatura, na música. E minha mente visitou escolas que precisam de melhor infraestrutura e alunos que precisam de orientação que vai muito além do conteúdo programático. Visitou o cansaço das jornadas duplas e triplas do professor-artista.

Quantos atores, quando perguntados sobre como querem morrer, afirmam que gostariam de morrer no palco, encenando.  Será que chegaríamos a tanto, tendo como último desejo morrer em sala de aula, segurando giz ou caneta, diante do quadro, ensinando? Talvez, nem tanto. Mas, é artista o professor que não conta os dias e horas para se aposentar. Ao contrário, como o autor Paulo Autran, choram se a eles for negada a possibilidade de manifestar sua arte.

O artista esquece as suas próprias dores e dissabores para que possa trazer uma outra realidade para os palcos e obras de arte, para levarem alívio para realidade cinza cotidiana. E num lampejo, a resposta veio: sim e sim! Acho que agora posso responder àquela diretora querida sobre qual é a minha opinião sobre a arte de ensinar.

A arte de ensinar está nos inúmeros momentos em que professores anônimos, mesmo sem estrutura, sem incentivo, sem material mínimo, sem financiamento a projetos fazem a mágica acontecer.

A arte de ensinar está nos professores que tiram dinheiro do seu bolso para pagar material, um lanche, uma cesta básica ou a inscrição do Enem para seus alunos.

A arte de ensinar acontece também quando se consegue olhar cada aluno e enxergar a faísca divina neles e ver em cada rosto um filho ou um irmão e ensinar-lhes com empatia, compaixão e amor.

A arte de ensinar acontece quando o professor ou professora com olhar apurado consegue tirar dentro daquela pedra fria e disforme a escultura mais bonita do vir-a-ser que enxerga em seu aluno.

A arte de ensinar acontece quando os professores abrem sua paleta de cores infindas para usar quantas cores forem necessárias para trazer vida à realidade em preto e branco e cinza.

A arte de ensinar acontece nas vezes em que se faz poesia apesar das violências cotidianas. Poesia apesar da ausência do básico, da clemência das vozes silenciadas ou da indecência do sistema.

A arte de ensinar acontece nos bastidores, onde o professor ou professora escrevem o roteiro, dirigem o filme, apresentam no palco – da escola ou da vida.

A arte de ensinar acontece nos momentos em que os professores cantam “a vida é bela” levando felicidade aos pequenos, enquanto se amontoam no corredor, protegendo seus alunos de tiroteios.

A arte de ensinar acontece nas tantas vezes que o professor desenha janelas onde só há muros; pontes onde há abismo; sonhos e horizontes onde existe apenas escuridão.

A arte de ensinar acontece também quando em momentos de crise e pandemia as pessoas se desesperam e surtam e o professor, em tempo exíguo, busca se reinventar e aprimorar sua arte para fazer o show continuar online.

A arte de ensinar acontece justamente na incompreensão da arte por leigos e pretensos conhecedores de arte com audácia de criticar as obras feitas sem sequer já terem assinado obra alguma. Então, ensinar é uma arte constante, porque “a esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar”.


Solimar Silva – é doutora em Linguística Aplicada e professora há quase 25 anos. Autora de diversos livres, entre eles: 50 Atitudes do Professor de Sucesso e Avaliações mais criativas.

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