Habitar a Terra: qual o caminho para a fraternidade universal

Por: Leonardo Boff

Faz-se uma constatação triste: o tipo de mundo no qual vivemos é tudo menos fraternal. O que predomina é o poder que, logo de início, estabelece uma divisão entre quem tem poder e quem não tem poder. Trata-se do poder-dominação, político, econômico, ideológico, midiático, também familiar e outros. Desta divisão nasce toda sorte de desigualdades: uns se sobrepondo aos outros, a maioria colocada no andar de baixo e uns poucos no andar de cima.

A desigualdade significa injustiça social que é eticamente inaceitável. Para as pessoas de fé, a injustiça social representa um pecado contra o Criador porque ofende a Ele e a seus filhos e filhas. Portanto, estamos submetidos a uma situação que não agrada a nós e também não agrada a Deus.

Grande é a busca humana por uma sociedade livre, igualitária, justa e fraterna. Em nome dela se fizeram as grandes revoluções, sempre derrotadas, mas nunca definitivamente vencidas, pois o anelo humano por liberdade, igualdade e fraternidade é imorredouro. Haverá sempre pessoas e movimentos sociais que manterão vivo este sonho e procurarão concretizá-lo na história.

Muitos são os motivos que fundam a fraternidade. Primeiramente somos todos portadores da mesma humanidade, pouco importa a origem, a cor da pele, a religião e a visão de mundo. Todos possuímos o mesmo código genético de base, presente em todos os seres vivos: os vinte aminoácidos e as quatro bases nitrogenadas. Dito numa linguagem pedestre: somos construídos por 20 tijolinhos diferentes e por quatro tipos de cimento. Combinados os tijolinhos e amalgamados pelos vários tipos de cimento, emerge a biodiversidade. Quer dizer, existe um laço de fraternidade real entre todos os seres vivos e especialmente entre os humanos. A fraternidade é universal, a natureza incluída.

Outra razão da fraternidade é o fato de todos os seres, também os humanos, possuírem algo em comum: viemos do barro da Terra. Homo, ser humano, procede de humus terra boa e fértil. Da mesma forma, o nosso ancestral bíblico Adam  se deriva de adamah que quer dizer: terra arável e fecunda. Desse barro o Criador nos tirou e moldou como suas criaturas, todos irmanados entre si.

Estas raízes comuns clamam para vivermos em fraternidade universal e ilimitada. Este foi o sonho de Jesus advertindo que ninguém seja chamado de mestre, poque todos somos irmãos e irmãs. A fraternidade sem fronteiras foi a busca ardente de São Francisco de Assis que chamava a todos os seres da natureza com o doce nome de irmãos e irmãs. Foi conversar com o sultão muçulmano no Egito porque queria uma fraternidade universal que implicava incluir cristãos e não cristãos. É o grande sonho de Francisco de Roma, o atual Papa que escreveu uma corajosa encíclica Fratelli tutti, “todos irmãos e irmãs” como resposta a um mundo globalizado que cria sócios, mas não irmãos e irmãs, nos faz virtualmente próximos, mas realmente distantes por causa da riqueza de alguns à custa da pobreza de muitos.

Dentro do mundo atual, fundado sobre o poder-dominação sobre pessoas, sobre povos e sobre a natureza, a fraternidade universal não possui condições de realização. No entanto, se não conhece viabilidade, ela pode ser uma atitude permanente, um modo de ser, um espírito que impregna todas as relações entre as pessoas e também as institucionais, de participação igualitária e cooperativa. Tudo isso à condição de renunciarmos ao poder-dominação e de termos humildade, não como uma virtude ascética, mas como um molhar nossas raízes no mesmo humus de onde a natureza e nós garantimos nossa existência, vendo cada ser e cada pessoa um irmão e uma irmã, com a mesma origem e o mesmo destino. Entre irmãos e irmãs vigora amor, cuidado e um profundo sentimento de pertença.

Devido às ameaças sérias que pesam sobre a Mãe Terra super-explorada e a dilaceração do tecido social das nações, a fraternidade sem fronteiras, como um novo tipo de presença no mundo, nos poderá salvar. Este livro Habitar a Terra: qual o caminho para a fraternidade universal quer trazer ao debate a urgência do amor social e da fraternidade universal, pelo menos como um modo de ser terno e despojado da vontade de poder-dominação, criando um laço de afeto e de cuidado entre todos do mundo natural e do mundo humano.


Leonardo Boff, 1938, doutorou-se em Munique em teologia sistemática. Foi professor de teologia por 22 anos no Instituo Teológico Franciscano de Petrópolis, posteriormente doutorou-se em filosofia na UERJ e foi professor de Ética, Filosofia da Religião e Ecologia Filosófica na Universidade do Rio de Janeiro. Foi professor visitante em várias universidades europeias. Foi editor religioso por muitos anos da Editora Vozes e coordenou a publicação da obra completa de C.G.Jung.  É portador do prêmio Nobel alternativo da Paz de 2001 pelo Parlamento sueco. É detentor de vários títulos de doutorado honoris causa de distintas Universidades. Escreveu cerca de cem livros nas áreas da teologia, da filosofia, da espiritualidade e da ecologia.

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