Entrevista: Hingo Weber decifra O Conspirador
O autor Hingo Weber, responsável pela tradução do livro O Príncipe, de Maquiavel, do selo Vozes de Bolso, traduziu também a última obra do filósofo publicada pela Editora: O Conspirador.
Na entrevista abaixo, o tradutor fala sobre a obra e legado de Maquiavel:
Qual a ideia central do livro?
O Conspirador foi finalizado provavelmente no ano de 1519, sendo possível, todavia, que tenha sido iniciado dois ou até três anos antes. No primeiro parágrafo do capítulo II de O Príncipe, Maquiavel afirma que este seu livro trataria do conceito de principado, já que em outra obra escrevera longamente sobre a república. Assim, olhando o conjunto dos 49 capítulos de O Conspirador, é preciso vê-lo, pelo menos, como um livro bidirecional, em que, menos do que complementar as suas obras anteriores, cria uma síntese remissiva a ambas e antecipa os primeiros escritos para o seu livro seguinte, A Arte da Guerra. Ainda assim, é possível falar em uma ideia central se consideramos a osteologia dos seis primeiros capítulos especialmente, tal como acontece com os nove primeiros capítulos de O Príncipe, e dizer que o pensamento que motiva e sustenta o projeto do livro é a apresentação de um conjunto complexo e inédito de raciocínios sobre as conspirações, tal como é dito expressamente no início do capítulo VI.
O que o leitor pode esperar dessa obra?
O mesmo que Lourenço de Médici, a quem Maquiavel dedicara O Príncipe, poderia esperar do livro: que, em algumas poucas horas de leitura atenta, possa aprender o que o autor levou uma vida inteira para aprender e resumir. O leitor pode esperar que, embora lendo pouco quantitativamente, aprenda muito qualitativamente. É de se esperar também que o leitor sinta-se estimulado a aplicar esses ensinamentos do livro à realidade em que vive, tal como Maquiavel sentiu-se estimulado ao ler ardorosamente a obra do historiador romano Tito Lívio.
É um livro abrangente? A quem essa obra é destinada?
Em geral, tem-se a ideia enraizada da conspiração como um mal. O que Maquiavel procura nos mostrar é que o bem e o mal, a guerra e a paz, a calmaria e a crise não são termos opostos ou contrários no sentido de que, se um aumentasse, o outro diminuiria, ou que estariam em luta mortal ou dialética entre si, mas que, psicologicamente, são constitutivos da mesma realidade efetiva onde se situam sempre em igual medida. É o que eu chamo de uma visão não dicotômica do bem e do mal. Uma visão de como é a vida efetiva e não a vida ideal, utópica. Quanto à segunda pergunta, respondo que Maquiavel escreve para a humanidade. Essa consciência está expressa de forma bastante clara em uma de suas cartas, em que se apresenta como alguém que dialoga com os grandes homens do passado, transferindo e dividindo com eles as suas angústias e preocupações. É desse diálogo grandioso, em que mais ouve do que fala, que nasce a sua obra generalizante sobre a condição humana tal como ela é. Também me parece claro, olhando o conjunto das obras de Maquiavel, que ela se destine especialmente aos jovens, para que estes riam e se divirtam com a diversidade do mundo que até então lhes estava ocultada.
Em um panorama, é possível explicar a linha de pensamento do autor?
Maquiavel é o filósofo dos fins e meios. Os conceitos não são novos, nem em termos de filosofia ou pré-filosofia, nem do ponto de vista do senso comum até mesmo ancestral. Maquiavel, no entanto, estabeleceu, como novidade até hoje muito mal compreendida, um relação não-subordinada entre meios e fins. Ou seja, que fins bons implicam reciprocamente em meios bem usados, e vice-versa, e que meios mal usados implicam reciprocamente em fins maus, e vice-versa.
É imprescindível a leitura de alguma outra obra de Maquiavel antes da leitura de O Conspirador?
Imprescindível não, mas aconselhável. Porque sente-se que um capítulo sobre as conspirações é uma carência de O Príncipe, nos capítulos em que discute os meios para a instauração de um estado novo totalmente novo. Além disso, em O Conspirador, Maquiavel volta ao tema da fraude, não porque tenha faltado algo de essencial no capítulo XVIII de O Príncipe, mas talvez com um propósito didático, para deixar claro, enfim, para os que ainda não o entenderam, que a fraude não é gloriosa se usada no contexto da vida privada.
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