Artigo | Sociologia geral – Vol. 2: habitus e campo
Por: Fábio Ribeiro
Com Sociologia geral- Vol. 2: habitus e campo, a Editora Vozes prossegue no projeto de publicação da tradução dos cinco primeiros anos letivos de Pierre Bourdieu no Collège de France, de 1981 a 1986. Se no primeiro volume tivemos um curso introdutório curto no qual Bourdieu se dedicou a elucidar o problema da classificação nas ciências sociais, é neste volume que ele introduz os principais conceitos de sua teoria da prática: habitus, campo e capital. Neste ano letivo, o foco está nos dois primeiros conceitos – nos anos subsequentes, ele examinará detalhadamente o conceito de capital e as relações entre esses três conceitos e o resto de seu arcabouço teórico.
O curso que o próprio autor intitulou Sociologia geral ocupa um lugar muito relevante tanto no percurso biográfico quanto intelectual de Pierre Bourdieu. É nesse início da década de 1980 que ele se consolida como o principal sociólogo francês depois de obras como A distinção e O senso prático e começa a trabalhar, com sua equipe de pesquisadores, nos projetos que culminarão em outros livros fundamentais, como Homo academicus, A nobreza do Estado e As regras da arte. Um dos maiores atrativos deste curso, para aquele público que já conhece a obra e as ideias de Bourdieu, é testemunhar esse momento bastante fértil em que ele ao mesmo tempo busca fixar, na medida do possível, os preceitos de sua teoria da prática que se desenvolvia desde a década de 1960 e mostrar como essa abordagem era particularmente útil para o desenvolvimento de pesquisas empíricas nas ciências sociais. Assim, o curso é um tesouro tanto de ideias às vezes sendo desenvolvidas durante as próprias aulas quanto de exemplos práticos quase sempre retirados das pesquisas em andamento de Bourdieu.
Para o público que desconhece a trajetória e o pensamento deste sociólogo, talvez o mais importante da segunda metade do século XX, os cinco volumes deste curso representarão uma porta de entrada inestimável a essa abordagem tão influente em tantas áreas do pensamento social contemporâneo. Com seu caráter de transcrição do discurso oral e seu intuito primariamente didático, o conteúdo dos conceitos bourdieusianos fica bem mais evidente do que na maioria de seus outros textos, que podem ser notoriamente desafiadores.
Mas todo o público leitor, independente de sua familiaridade com os temas discutidos, tem neste curso a oportunidade de encontrar um Pierre Bourdieu dedicado à tarefa pedagógica e à incrível dificuldade de transmitir um conhecimento avançado, resultado de décadas de trabalho empírico e teórico e da contribuição de vários pesquisadores, para um público extremamente heterogêneo como o do Collège de France. Vemos Bourdieu debruçado sobre o problema de transmitir não apenas, e nem sequer primariamente, um conhecimento teórico, mas também um método de trabalhar nas ciências sociais e, mais do que isso, um modo de ver o mundo. Bourdieu talvez tenha sido o sociólogo que levou o conceito de reflexividade ao seu nível mais extremo e exigente, e este curso é uma contribuição imensa para a compreensão desse aspecto que muitas vezes é subestimado nas apropriações que são feitas de sua obra.
Este segundo volume, Habitus e campo, é mais longo tanto no número de aulas quanto no tempo de cada uma em comparação com o primeiro, Lutas de classificação. Isso permite que Bourdieu se estenda não só sobre os conceitos de habitus e campo em si e suas aplicações, mas também sobre sua gênese tanto teórica quanto prática, posicionando sua abordagem em relação a outras correntes filosóficas, sociológicas e antropológicas. As aulas seguem um encadeamento que favorece sua compreensão em conjunto, mas também não se esquivam de digressões sempre muito interessantes sobre temas imprevistos ou sugeridos pelos alunos.
O projeto de publicação póstuma dos cursos de Bourdieu no Collège de France é um dos principais movimentos levando a uma renovação da apreciação e do interesse pelas ideias desse pensador ainda tão central para as ciências humanas quase vinte anos depois de sua morte. Habitus e campo ocupa um lugar de destaque nesse projeto, e certamente se tornará uma das melhores referências para aqueles que se aventuram no estudo, aplicação e extensão dessa abordagem epistemológica, teórica e empírica.
Fábio Ribeiro é Professor de Sociologia – IFCS – UFRJ e pós-doutorando em Sociologia – FFLCH – USP.
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