Pesquisa em Psicologia Analítica

A obra reúne diversos autores de diferentes origens e produções que dialogam sobre as possibilidades de pesquisas qualitativas envolvendo o pensamento junguiano.

Elizabeth Eowyn Nelson compõe uma conversa criativa entre o pensamento pós-moderno e a pesquisa em psicologia analítica. Ainda que dissonâncias apareçam, a riqueza da troca entre essas duas áreas se sobrepõe. Os pós-modernistas rejeitam a idéia de uma psique e o inconsciente, veem a subjetividade como socialmente produzida e há um foco para a superfície com a sensibilidade que lhe é cabida. Reconhecem o local e o parcial. O pensamento junguiano tem um compromisso ontológico com o inconsciente, a psicologia profunda. Valoriza a verticalidade e a sensibilidade com o profundo e remete ao fundacional, ao arquetípico. Tanto o pós-modernismo quanto o pensamento junguiano compartilham o perspectivismo e a pluralidade. Valorizam a intersubjetividade, reconhecendo a instabilidade do conhecimento. E tomam, com humildade, os resultados das pesquisas eruditas. Elizabeth ainda lista 4 temas que motivam a integração das pontes entre o pós moderno e o pensamento junguiano:a importância central da linguagem, o discurso e a produção social do conhecimento, a auto reflexividade do pesquisador e o pluralismo teórico.

O filho de um grande amigo de Jung, Thomas B. Kirsch, escreve sobre a importância científica das correspondências na transmissão de pensamentos humanizados. James Kirsch, pai do autor do capítulo, era psiquiatra e analista alemão, judeu ortodoxo. Os leitores das cartas podem encontrar discussões complexas sobre judaísmo, cristianismo e o “complexo de Cristo”. Esse diálogo judaico-cristão é fundamental para que os próprios leitores avaliem as acusações de antissemitismo que Jung sofreu, injustas ao olhar de Thomas. Abrange também as correspondências de Jung e Neumann, as questões de ortodoxia e a escolha de Neumann por Jung como seu filho intelectual e espiritual.

As correspondências entre Jung e Pauli aquecem a aproximação entre a teoria quântica e a psicologia analítica. Ambos tinham interesse em áreas abertas à pesquisa ainda hoje como: sincronicidade, compreensão da relação paradoxal entre ondas e partículas e a ponte da consciência com o inconsciente. As teorias são discutidas com a relação pessoal deles sendo nutrida.

Um vasto material de diálogos sobre espiritualidade existe nas correspondências existe entre Jung e o teólogo católico Victor White. Há muita discordância entre eles na descrição do padre White do mal como privatio boni e Jung definindo o mal como uma realidade em si mesmo. Percebe-se a tensão dos opostos na escrita e a pesquisa pode surgir como um terceiro transcendente. A última contribuição de Kirsch é com as correspondências entre Jung e Hans Schmid Guisan, um médico suíço interessado em tipologia. Também há muito material para as pesquisas em tipos psicológicos que estão tão difundidas nos últimos anos em testes como MBTI (Myers Briggs Type Indicator).

Pesquisas sobre aspectos simbólicos da psique partem das premissas do arquétipo e inconsciente coletivo. Os pesquisadores dialogam com a pesquisa em ciências sociais e a teoria do complexo cultural. François Martin-Vallas rastreia o desenvolvimento da epistemologia de Jung e oferece a teoria dos sistemas complexos aos conceitos junguianos centrais. Descreve a psique como um exemplo de sistema auto organizado e os arquétipos como um sistema complexo correlato com uma estrutura fractal.

Thomas Singer trás o conceito de complexo cultural como um “agregado autônomo em grande parte inconsciente e emocionalmente carregado de lembranças, afetos, idéias, imagens e comportamentos que tendem a se juntar em torno de um núcleo arquetípico e que são compartilhados por indivíduos de um grupo”. Discute a natureza da evidência qualitativa e sugere uma agenda de pesquisas futuras.

Beverley Zabriskie, entre filosofia, mitologia e prática clínica, investiga a história da experiência da emoção e o panorama contemporâneo. Abarca a perspectiva neurocientífica e traça paralelos com os conceitos nucleares junguianos.

Morgan Stebbins conceitua meditação em suas diversidades e pesquisa sua eficácia à compreensão de suas características e às lentes da psicologia junguiana. Oferece caminhos para a pesquisa da meditação, enquanto prática pessoal e terapêutica, com ferramentas da Psicologia Analítica. A conexão do diário e pequeno com o eterno e cósmico.

A teoria da complexidade tem estado em alta na pesquisa sobre a psique. Roderick Main faz larga revisão bibliográfica sobre sincronicidade. Tudo com o compromisso conceitual, empírico, teórico, histórico, clínico e cultural. Joseph Cambray reavalia e estende a visão do símbolo através dos princípios da teoria da complexidade. Cambray postula que a separação implícita dos seres humanos em relação a seus ambientes, ao planeta e mesmo ao cosmos já não é mais defensável, mesmo dentro das formulações científicas.

George Hogenson trás essa inquietação comum a Cambray através da análise do Livro Tibetano dos Mortos. Observa o fluxo da libido em renascimentos em contraposição ao modelo de desenvolvimento ocidental e psicanalítico. Entre frases e imagens abarca também O Livro Vermelho, valoriza as ilustrações e correlaciona as formas biomiméticas com a obra de Haeckel. Ambas com propriedades emergentes da geometria fractal.

Autores de vários países trazem suas experiências nas pesquisas interculturais. Toshio Kawai lança uma nova luz sobre a experiência de perda e recuperação da transcendência de uma perspectiva Junguiana e da escola Sua-yen do budismo Mahayana. Relata a força de se ter o nada como transcendência e como energia potencial.

Grazina Gudarté apresenta um grande estudo com imagens de pacientes que apontam para o ressignificar dos traumas do autoritarismo na Lituânia, a partir do encontro analítico.

Yasuhiro Tanaka descreve os achados de “antropofobia” na interação e aceitação dos jovens japoneses e os dilemas da abordagem do pós modernismo versus uma psicologia criada a partir da observação do self e questões culturais. Com a globalização dos meios de comunicação, Tanaka vê o foco passando de uma percepção interna da experiência de si para uma orientação externa, descrita como “ubíqua autoconsciência dos nossos tempos”. Apresenta experiências de sandplays e sonhos com essa nova “infraestrutura psicológica”.

Walter Boechat elege descrever a história brasileira a partir de referenciais de identificação com o opressor, como o autor Leandro Narloch. O autor toma o brasileiro com o complexo de “vira-lata”, minimiza a luta das populações originárias e escravizadas pelo direito de exercer sua religiosidade versus um sincretismo religioso.  Afirma que o Brasil tem ausência de heróis até, segundo o autor, identificar na figura do bandeirante, um herói, em desacordo com toda a história de genocídio por eles exercida, entre outras descrições estereotipadas do brasileiro.

É possível um diálogo entre as diversas abordagens de pesquisa qualitativa com curiosidade e fecundidade interdisciplinar. Como cita Elizabeth Eowyn: o conhecimento não é só o que buscamos, é o que nos busca. A pesquisa Junguiana é nada mais do que deixar a alma se fazer ouvir, em contraponto à presunção de que a alma já é totalmente familiar e conhecida.


Raissa Pala Veras

Psiquiatra e Analista Junguiana

Parte da SBPA-Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica