Apresentação de Cândido, de Voltaire

Cândido é a obra mais conhecida da prolífica produção literária, historiográfica e filosófica de Voltaire. Escrita entre julho e dezembro de 1758, foi publicada simultaneamente em Paris, Genebra, Amsterdã, Londres e Liège em fevereiro de 1759, tornando-se imediatamente o maior best-seller europeu do séc. XVIII.

Apesar de adotar o gênero narrativo e o estilo novelesco, Cândido é uma obra eminentemente filosófica. Por meio dela Voltaire apresenta-se como interlocutor no antigo debate sobre o problema do mal: como um mundo e uma humanidade supostamente criados por um Deus bom e onipotente podem ser tão eivados de sofrimento e maldade? Há razões para otimismo ou estamos todos irremediavelmente fadados à miséria e ao vício? O Iluminismo, movimento do qual Voltaire foi um dos maiores patronos, acreditava no otimismo, e Leibniz, seu principal porta-voz nesse assunto, dizia que Deus, em sua perfeição, só poderia ter criado o melhor dos mundos possíveis, cujos eventos, ainda que nos parecessem adversos, teriam todos uma razão suficiente.

Se vemos o mal em toda a parte no mundo é porque não vemos o mundo como Deus o vê: pleno de sentido. Cândido é a objeção satírica e picaresca de Voltaire ao otimismo. Seu ingênuo (cândido) protagonista abandona suas crenças otimistas, aprendidas do seu tutor, Dr. Pangloss (expoente caricaturesco do leibnizianismo), à medida que é confrontado com as desgraças do mundo. O mesmo acontecera ao próprio Voltaire, que tendo sido um otimista na juventude, após testemunhar ao longo da vida várias tragédias, dentre as quais a mais traumática talvez tenha sido o terrível terremoto de Lisboa de 1755, adotou uma opinião mais sóbria e realista acerca do mundo e da vida. Neste sentido, além de conto filosófico, Cândido é também um romance de formação.

Nascido François-Marie Arouet, em 1694, em uma família parisiense de classe média, Voltaire foi uma das mais célebres figuras do Iluminismo. Seu talento como escritor lhe valeu fama e dinheiro, mas também perseguição por parte das Igreja e do Estado, cujas superstição, injustiça e tirania ele amiúde criticava em seus escritos satíricos, tendo por isso sido preso e exilado várias vezes.


Fábio Creder é tradutor e filósofo