Quando éramos Eva

Colleen C. Mitchel suscita em sua obra uma reflexão sobre a espiritualidade da mulher, outrora mitigada ou intensificada, supervalorizada na figura de Eva. Aqui a conjugação verbal no pretérito imperfeito do indicativo é crucial para a simbologia que traz o título: “Quando éramos Eva”. A abordagem, aqui refletida, acerca da obra em questão parte de uma pergunta da autora: “E se nos permitíssemos fazer perguntas difíceis e profundas sobre esse corpo que habitamos e sobre o que Deus deseja para ele, tendo experiências muito diferentes e assustadoramente semelhantes em seu interior, sem nunca descobrirmos tudo?”

Para entender a reflexão abordada por Colleen se faz necessário se despir “nua e sem vergonha” buscando uma reconfiguração sobre o que é ser mulher de espiritualidade para bem mais além do se que conjecturou ao longo da história judaico-cristã. Voltar à Eden é ter a oportunidade de ser abstraída por um desejo de entender o real significado do ser mulher ao longo do tempo, após as inúmeras influências herdadas por Eva. A espiritualidade, aqui, é marcada por um princípio não linear, que não ordena à apenas uma direção, constituindo uma quebra de regras que incita ao ser semelhante a Deus.

Compreender o jeito de Deus criar todas as coisas pode estar embasado numa plenitude onde o criador se deleita com os esforços humanos a fim de que todas as necessidades sejam atendidas. É nessa configuração que se encontra a espiritualidade engajada que permite à mulher atual se utilizar das mais diversas ferramentas que abrem a sua mente e perspectiva em busca da real compreensão do seu ser mulher na identidade das culturas humanas. Se despindo e verificando por meio da sua nudez o valor do seu corpo a partir daquilo que ela mesmo vê, e não do que lhe foi apresentado, por meio intermédio de subjetividades que não traziam a verdade do que ela mesmo hoje consegue ver. Aqui nasce o autocuidado que se torna “não opcional, mas imperativo”, na nossa busca de enxergar Deus a partir de uma leitura feita por mulheres e não mediante aquilo que lhe foi apresentado ao longo da história religiosa judaico-cristã. Nessa perspectiva, faz muito sentido voltar ao Éden, e assim a mulher ter a oportunidade de se reconectar com a sua própria leitura de mundo e existência.

“Sacristãs de nossos próprios templos” dada à ênfase de obrigatoriamente buscar abrir-se, como mulher, à espiritualidade que sujeita a mulher a si mesma, se desvinculando do papel da sempiterna cuidadora para aquela que enxerga em si mesma a potencialidade que é a sua existência.

Numa sociedade que o tempo todo vincula a mulher a sua pseudo insignificância ao lado daquela que foi condenada pecadora, Eva, mais que tudo se busca refazer um novo caminho, possibilitando refletir sobre o papel de uma nova mulher que não se sujeita mais a tantos estereótipos que insistem o tempo todo tirar sua dignidade.

Mulheres, todas, sejamos sujeitas de uma história que está aberta para nós. Somos mulheres imersas em uma cultura que se transforma e que se abre o tempo todo para quem a deseja, caso empurremos as portas. Hoje somos vítimas da nossa própria espiritualidade e não tenhamos medo de retomá-la, sempre, quando necessária.


Gisele Canário

Assessora CBVerbo