O jornal como fonte histórica  

Por: José D’Assunção Barros

O jornal como fonte histórica

Os jornais interagem com a história, e com a historiografia, de diversas maneiras. Como se sabe, já de saída a Imprensa e o Jornalismo – através dos jornais impressos, televisivos ou digitais – constituem poderosos instrumentos que são utilizados por forças diversas para agir sobre a sociedade e a história. Compreender o jornal não como um veículo passivo e neutro de informação, mas também como um sistema capaz de produzir e difundir discursos ao instaurar um processo de comunicação que nada tem de neutro, é fundamental para termos uma devida consciência da função dos jornais como agentes e instrumentos capazes de interferir na história. Como bem sabem os historiadores – mas também os leitores mais críticos – se o jornal transmite informações, ele também produz opiniões, discursos, análises da realidade que são geradas na sociedade envolvente e que a ela retornam. São capazes, os jornais, de revelar verdades e aspectos da realidade que certos interesses políticos e econômicos prefeririam conservar ocultos; mas também é dos jornais a possibilidade de construir meias-verdades, de silenciar sobre certos fatos e não outros, de selecionar e redefinir a informação a ser transmitida. A um só tempo, os jornais retratam e elaboram representações da realidade, e já modificam e interagem sobre esta mesma realidade. Esta função de agente histórico – situando os textos jornalísticos como sujeitos e instrumentos capazes de intervir no mundo – constitui a primeira relação que os jornais estabelecem com a história, neste momento compreendida em seu sentido de ‘campo de acontecimentos’.

Uma vez que a história produz os jornais (ao mesmo tempo em que os jornais ajudam a produzir a história), existe outra relação igualmente importante entre estas duas instâncias. A história – através de seus acontecimentos e das representações dos acontecimentos – atravessa as páginas dos jornais de muitas maneiras, assim como agentes históricos vários agem através dos jornais. Nos jornais encontramos informações que podem ajudar os historiadores a compreender as realidades históricas por eles examinadas, mas também discursos que precisam ser analisados em suas implicações, motivações e desdobramentos – assim como projetos diversos que visam intervir na sociedade, no mundo político, na realidade econômica, nos cenários culturais. Por tudo isso, os jornais se tornaram fontes históricas de grande importância para os historiadores.

O livro O jornal como fonte histórica, de José D’Assunção Barros, apresenta-se como uma obra de reflexão não apenas para historiadores – uma vez que expõe metodologias disponíveis para a análise de jornais e teorias que ajudam a compreendê-los – mas também para o leitor que começa a se conscientizar de que é importante assumir uma posição mais crítica diante dos jornais. Talvez seja esta uma das principais contribuições da obra para o leitor comum que, embora não seja historiador, esteja interessado seriamente em história e, sobretudo, em ser um cidadão crítico inserido em seu próprio tempo.

Ao tratar como fontes históricas os jornais de todas as épocas – e os de sua própria época, quando escrevem a chamada História do Tempo Presente – os historiadores precisam desenvolver uma acurada percepção crítica acerca dos jornais. Assim como fazem necessariamente para todos os tipos de fontes com que trabalham, os historiadores sempre procuram situar os jornais que examinam – seja como fontes ou como objetos – no seu ‘lugar de produção’, compreendendo que este é um lugar complexo, perpassado pelo conjunto dos produtores e leitores do jornal considerado, mas também por inúmeros outros aspectos que incluem a dimensão social mais ampla, a rede de jornais concorrentes, os interesses políticos e econômicos envolvidos, as demandas sociais, as intertextualidades que interconectam os jornais a outros textos e a contextos dos mais diversos.

Abordar o jornal como fonte histórica, conforme propõe a obra, é adquirir consciência da polifonia que os constitui, formada por inúmeras vozes que fazem dos jornais fontes dialógicas por excelência. Multimodais e relacionados a muitas linguagens diferentes – verbais de todos os gêneros, imagéticas, e também faladas e gestuais nos casos dos jornais televisivos – o discurso jornalístico não pode ser abordado de maneira simplória ou ingênua. Os pontos de vista nos quais se ancoram as diversas matérias jornalísticas deste ou daquele impresso precisam ser decifrados, interpretados, desvendados nas suas conexões com a realidade e a invenção. É preciso compreender, para cada caso, as ambiguidades entre a pretensa e falsa neutralidade e o conteúdo ideológico trazido pelos jornais; as tensões entre informação e opinião; a dialética entre investigação e reelaboração de sentidos. Por tudo isso, o livro interessa aos historiadores, aos próprios jornalistas, e ao cidadão crítico e que anseia compreender o seu próprio tempo e a própria história que o envolve.

Muitas questões perpassam este livro. Começamos por nos perguntar, simplesmente: o que são, mais efetivamente, estes objetos do mundo contemporâneo que se apresentam como jornais? Como eles podem ser tratados pelos historiadores, de modo a que se compreenda a sociedade que os produziu? Os jornais podem informar com neutralidade, ou habitualmente produzem discursos vinculados a pontos de vistas políticos, interesses econômicos e projetos de agir sobre a sociedade? Como se dá a complexa interação entre os produtores de jornais e seus leitores, anunciantes e concorrentes? Como trabalhar criticamente com estes meios de comunicação que são capazes de agir politicamente nas sociedades que os envolvem? Quais as diferentes linguagens que se entrelaçam na produção dos discursos jornalísticos? Como se estabelece, por exemplo, a dinâmica entre imagem e texto neste gênero complexo que compõe os jornais? Como se deu a passagem dos jornais artesanais, feitos por poucas pessoas e dirigidos a grupos menos expressivos de leitores, aos jornais de grandes tiragens e redações complexas já inseridos nos Grandes Mercados capitalistas? Principalmente, a obra mostra como trabalhar historiograficamente com os jornais, como analisá-los criticamente, como abordá-los com as metodologias adequadas. Discorre sobre os jornais de outras épocas, mas também permite compreender os jornais e textos jornalísticos de nosso próprio tempo.

Os exemplos da História da Imprensa, no Brasil e no mundo, também são trazidos para ajudar a compreender as múltiplas facetas do jornal e a sua inserção nos múltiplos contextos históricos e sociais. Objetos diretos para a reflexão dos historiadores que pesquisam a História da Imprensa, mas também fontes propícias para estudar problemas dos mais diversos – a política, a economia, a cultura, as relações de gênero, e tantos outros aspectos – o livro é um convite para que se compreenda como os historiadores devem trabalhar com os jornais.

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José D’Assunção Barros é historiador, escritor, músico e professor. É Professor-Associado da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) – nos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em História – e Professor-Permanente do Programa de Pós-Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Possui Doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Além da Graduação em História, possui Graduação em Música, ambas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Preside o LAPETHI – Laboratório de Pesquisas em Teoria da História e Interdisciplinaridades. Publicou 38 livros e cerca de 200 artigos, 40 dos quais em revistas internacionais, em países diversos como Portugal, Espanha, Itália, Dinamarca, Canadá, México, Chile e Colômbia. Entre suas obras publicadas, Cidade e História (2007) e O Campo da História (2004) foram traduzidos e publicados no exterior. Suas áreas principais de atuação relacionam-se aos campos da Teoria da História, Historiografia, História das Artes (Música, Cinema, Teatro, Artes Visuais e Literatura) e Estudos sobre Desigualdades e Diferenças Sociais. É também autor de obras de literatura, entre as quais o livro de contos O Avesso do Pau-de-arara (Ed. Achiamé, 1988) e o Romance Desacordados (Amazon, 2012), além de contos e poemas em revistas diversas que podem ser encontradas na web.



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