O efeito da ausência do pai nas filhas
Por: Camila Maciel Polonio
Em O efeito da ausência do pai nas filhas: desejo paterno, ferida paterna, Susan E. Schwartz presenteia o meio junguiano com uma perspectiva atual, e pouco trabalhada na psicologia analítica, sobre os impactos no desenvolvimento psíquico das filhas quando ausente o olhar paterno.
A ausência do pai na relação com as filhas tem sido pouco explorada e essa obra abre caminhos para reflexões por meio dos mitos, dos conceitos cunhados por Jung, dos casos clínicos e do trabalho da própria Susan com os sonhos de pacientes.
Já nas primeiras linhas o livro apresenta a sua potência ao afirmar: “Esta é uma história de amor, porém de amor não correspondido. Trata-se da necessidade de uma figura paterna na vida de uma filha que se torna mais proeminente e dolorosa com sua ausência”. A autora trabalha com maestria os impactos no desenvolvimento da filha quando esta se relaciona com a figura do pai ausente, seja por meio das idealizações ou com a realidade concreta da falta. O que significa a ausência? A autora discorre sobre o sentido e o significado da ausência assim como o efeito na constituição da menina/mulher.
O olhar para a relação pai e filha, historicamente na psicologia, foi negligenciado quando comparada ao papel da mãe e da madrasta no desenvolvimento da menina. A vivência em uma sociedade patriarcal contribui para a manutenção da perspectiva dos cuidados dos filhos como algo centrado na figura da mulher. Com isso, de acordo com Susan, há uma tendência inconsciente de perpetuar a condição do patriarcado. A ausência de um pai esculpe na psique da filha a falta de autoaceitação, matando sua vitalidade, criatividade e intensificando a angústia interna da falsa sensação de existência. Susan olha cuidadosamente para os aspectos da depressão, ansiedade e da construção das relações que se apresentam de forma conturbada na filha, que vive a sensação recorrente de desespero, e na imagem utilizada pela autora, como se a filha estivesse na beira do abismo.
No primeiro capítulo, a autora apresenta o conceito de paralaxe para conduzir o olhar do leitor ao mundo interno da filha. O cerne da questão é levar a compreensão da perspectiva interna de quem viveu a ausência paterna e suas principais consequências. Um dos pontos trabalhados foi a noção de que a filha se constitui na função de desempenhar papéis que a mantém num estado de sobrevivência e insuficiência.
No decorrer da obra, o leitor aprofundará o olhar para o complexo paterno negativo considerando – o que foi uma grata surpresa – as perspectivas atuais que levam em conta a época, as estruturas religiosas, sociais e culturais. Com isso, mesmo que brevemente, a autora se propõe a questionar o conceito de animus pela perspectiva da discussão contemporânea de gênero.
A idealização do pai é examinada e apresentada para o leitor sob os aspectos da puella. A inocência, a ingenuidade, a adoração com o enaltecimento do pai, podem influenciar na filha se mostrar funcional na vida, porém abaixo do potencial real de quem se é. Na mesma perspectiva temos os aspectos negativos, quando a filha se vê aprisionada as faces destrutivas de um pai insuficiente.
A obra de Susan se propõe a entregar um material que foi relegado a sombra. Isso é bastante sintomático quando visualizamos a psicologia sendo, até então, conivente com a manutenção da sobreposição da mãe como a maior responsável acerca dos cuidados na relação e no desenvolvimento psíquico emocional da filha. Sem dúvida, é um livro indispensável para pensar a atualidade e o trabalho na clínica.
Camila Maciel Polonio é Psicóloga Clínica, Membro Analista pelo IPAC/AJB/IAAP, Especialista em Psicologia Analítica pela UNICAMP, Especialista em Terapia Familiar e de Casal pela PUC-SP, Diretora Secretária do IPAC – Gestão 2021 -2023, Coordenadora de Comunicação do IPAC – Gestão 2021 -2023, Coordenadora do Departamento de Literatura e Psicologia Analítica da AJB – 2023.
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