Os estudos literários em três tempos

Por: Marisa Lajolo

 

O livro de Roberto Acízelo, "Os estudos literários em três tempos", é muito oportuno e extremamente interessante. 

Abre-se com um instigante ensaio sobre a poesia de Antonio Carlos Secchin (que o leitor fica morrendo de vontade de ler... e deve mesmo ler, pois é ótima!) e as páginas seguintes acompanham o longo percurso dos estudos de literatura – particularmente estudos de Teoria da Literatura – desde os tempos do Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro do século XIX, até hoje. 

O livro apresenta uma espécie de percurso cronológico da preocupação com “o que seria a literatura” e “o que se pode dizer sobre ela”. Já se pensava nisto no longínquo século V a.C e o pensamento vai se desenvolvendo ao longo dos séculos, sendo os contemporâneos (e polêmicos) “Estudos Culturais” sua última manifestação 

Traço muito bem-vindo deste livro do professor carioca é a frequência de expressões que matizam afirmações, tornando-as muito pouco categóricas. Suas observações nunca são apresentadas como indiscutíveis: “segundo minha interpretação”, “creio ter ficado claro” “digamos assim”, “caso aceitem as bases desta exposição” são maneiras exemplares de manifestar respeito aos leitores. Mais um ponto para o livro!

Ao lado do percurso – digamos ocidental – dos estudos literários, o livro de Acízelo apresenta uma bem-vinda breve história de sua presença no Brasil: foi em 1860 que, a partir da disciplina "Literatura Nacional", eles ganharam visibilidade entrando nos currículos escolares.

No panorama que traça da presença de estudos literários entre nós, o livro apresenta intelectuais brasileiros que deram os primeiros passos na discussão do tema, de Gonçalves de Magalhães a José Veríssimo, sublinhando a importância do já mencionado Colégio Pedro II na constituição dos estudos literários. 

Olhando para o panorama mais contemporâneo, dentro e fora do Brasil, Acízelo aponta o processo de enfraquecimento da perspectiva normativa dos estudos e da crítica literária, discute a etimologia dos termos presentes em discursos sobre a literatura (Teoria da literatura ou Teoria literária?), e acompanha o percurso do ensino de literatura na universidade brasileira. 

Disciplina recentemente obrigatória dos cursos de Letras, e prometendo (expectativas equívocas!) ensinar a discutir e a analisar textos literários, durante um certo tempo ela expressava em "ismos" os olhares com que propunha a leitura da literatura: “Formalismo” e “Estruturalismo” são dois exemplos. 

Debruçando-se sobre a história da disciplina, Acízelo chega aos contemporâneos “Estudos Culturais” que ampliam (?) o objeto da disciplina que, além da literatura, pode debruçar-se (e debruça-se) sobre outras linguagens artísticas. E sublinha – talvez no mesmo sentido – como o desaparecimento da crítica de jornal é contemporânea desta mudança de roupagem da antiga Teoria da Literatura. 

Mas ... não é que apesar de tudo isso – a que se acrescenta o baixíssimo salário do magistério – é significativo o número de cursos de letras, onde disciplinas literárias são obrigatórias?  O “Google” hoje (26.03.2024) registra por volta de 500 cursos de letras em atividade no Brasil! 

Consequentemente podemos pensar em – no mínimo dos mínimos – 5000 brasileiros que se preparam para a profissionalização na área.   

Contrassenso? 

Talvez ... 

Que os leitores meditem na questão!

 

 

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Marisa Lajolo cursou graduação, mestrado e doutorado na Universidade de São Paulo, e fez estudos de pós-doutorado na Universidade de Brown. É professora titular aposentada da Universidade Estadual de Campinas, e atualmente exerce o magistério de pós-graduação na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Membro da Academia Paulista de Educação, é autora de várias obras de referência no campo dos estudos literários, entre as as quais figuram Monteiro Lobato livro a livro: obra infantil (Prêmio Jabuti), Monteiro Lobato livro a livro: obra adulta, Gonçalves Dias: o poeta do exílio (Prêmio Academia Brasileira de Letras) e Literatura ontem, hoje, amanhã.