O coração de Heidegger: Sobre o conceito de tonalidade afetiva em Martin Heidegger

Por: Renato Nunes Bittencourt 

 

Cá estamos diante de uma das primeiras obras de Byung-Chul Han publicadas desde o seu enraizamento na Alemanha. Com efeito, nessa obra não encontramos ainda alguns dos temas que marcarão sua escrita mais atual, como a ideia de cansaço ou de Infocracia, o que talvez possa gerar algum estranhamento no leitor já adaptado aos conceitos do filósofo em nosso mundo dominado pela digitalização da consciência. Afinal, a obra foi publicada orginalmente em 1996 na Alemanha, época em que a Cibercultura era ainda compreendida de maneira integracionista e utopista. Mas já encontramos aqui outros aspectos que permanecem no bojo de Byung-Chul Han, como a ideia de pertencimento ao mundo, serenidade, contemplação. E assim se manifesta a importância da filosofia de Heidegger em sua trajetória.

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A tonalidade afetiva, ponto capital do livro, se configura como o Dasein (que podemos tentar traduzir, sempre de maneira bastante problemática, como “Presença” ou “ser-aí”) que se encontra sintonizado com o mundo que ele mesmo é. Ela corresponde à “afinação” do Dasein com seu espaço performático, é o modo concreto com que o mundo se pronuncia na sua enunciação imediata. Por outras palavras, a tonalidade afetiva expressa a humanização do mundo da vida e a capacidade do homem historicamente situado e enraizado se colocar como um sujeito imerso no ambiente, digamos assim, cósmico da realidade circundante. Se a técnica, desprovida de substancialidade reflexiva, promove a automação do homem e sua inerente despersonalização, o habitar poético no mundo nos faz vivenciar uma plena integração com o ambiente natural, como se todas as coisas fossem dotadas de sentido e dignas de veneração. Trata-se de um reencantamento da realidade, não de forma mística, mas de forma poética, daí a importância existencial da reflexividade e da contemplação perante a pluralidade vivente do mundo, que independe de nós. A vida como um todo permanece mesmo que o ser humano não a perceba. E mais do que fazer com que nossa consciência atribua um sentido para as coisas, o que é ainda uma afirmação da nossa predominância perante o mundo circundante, a tonalidade afetiva, marcadamente contemplativa, faz com que vejamos as coisas como elas são em si mesmas, em sua harmonia para além de qualquer funcionalidade ou instrumentalidade. 

Tudo o que existe faz parte de uma grande pletora vivente que podemos chamar de holística, e a consciência humana não é capaz de abarcar essa totalidade. Daí a opção pela concepção estética de mundo, que não resolve de modo algum a angústia existencial diante da nossa inerente finitude, mas que permite que concedamos um sentido não-teleológico ao existir. A autenticidade da existência está em reconhecermos nossa temporalidade existencial e assim desenvolvermos em nossa forma de vida um modo de ser que não se enclausure em um rude solipsismo nem em uma postura cínica diante dos outros. A tonalidade afetiva, nessas condições, é a porta de entrada de uma ética da alteridade, em que reconhecemos no outro um pouco de nós mesmos. 

 

 

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