Elogio do fracasso - Desafiando a cultura do sucesso

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Por: Luís Mauro Sá Martino

 

O fracasso está ao nosso redor. Está em toda parte. Você não precisa ir muito longe para ver isso. Fracassar é parte do cotidiano, até nas pequenas coisas. Quando perdemos o ônibus por chegarmos com alguns segundos de atraso no ponto e ele já está partindo. Ao tentar entrar em um trem e não conseguimos porque o vagão está lotado e precisamos esperar o próximo. Se a roupa não combina, ou você está no lugar errado com a roupa errada.

Fracasso não é oportunidade, não é desafio, não é aprendizado. Fracasso é fracasso. Lidar com isso de frente é uma atitude difícil, mas recompensadora: ela recupera uma dimensão fundamental da existência humana – a perda.

Essas ideias fazem parte do argumento central do livro Elogio do Fracasso, de Costică Brădățan, lançamento da Editora Vozes. Na contramão dos discursos sobre sucesso, realização pessoal e conquistas profissionais, ele propõe olhar o fracasso como uma parte indispensável da vida, uma realidade com a qual todas as pessoas, cedo ou tarde, vão se deparar. 

Como o autor lembra, falar do fracasso é um pouco incômodo – principalmente, é possível acrescentar, em uma sociedade que privilegia o desempenho e a alta performance, como lembra outro filósofo, o sul-coreano Byung-Chul Han.

E, quanto menos estamos acostumados a lidar com isso, embalados pelo discurso do sucesso, da perseverança e da resiliência a qualquer custo, mais forte será o choque diante do – sempre inevitável – fracasso. 

“Nossa”, você pode pensar, “como ele é pessimista!”. 

A rigor, a proposta do filósofo romeno, radicado nos Estados Unidos e professor da Texas Tech University, não é exatamente essa. Brădățan procura reintegrar o fracasso como parte da vida, não como uma exceção e, menos ainda, como uma escala no caminho do sucesso. 

Ainda no início do livro, o autor se posiciona em relação a um discurso corrente segundo o qual cada fracasso, na realidade, é apenas um tropeço, um contratempo, até o triunfo garantido. Para ele, isso apenas nos distancia de uma circunstância normal da vida, falhar, e reforça a ilusão de que nosso destino é vencer sempre – discurso que, em alguns momentos, pode se aproximar perigosamente de uma positividade tóxica. 

Na esteira de outras filósofas e filósofos, Brădățan trabalha uma ideia um pouco diferente: não estamos destinados ao sucesso nem ao fracasso, simplesmente porque não há um destino previamente traçado para a vida humana. Nesse ponto, parece existir ecos da filosofia de Jean-Paul Sartre, sobretudo das ideias expressas em O Ser e o Nada, do filósofo francês, em relação à inexistência de um destino ou meta precisamente definido na vida.

É necessário, por isso, recuperar todas as dimensões da existência – a alegria, a tristeza, o sucesso, o fracasso – como vivências, cada uma delas com sua intensidade e seu valor. Nenhuma indica um caminho obrigatório a seguir, mas é necessário lidar com cada uma delas. 

Daí a ideia de que o fracasso não pode, ou deve, ser medido em relação ao sucesso ou como um aprendizado para o triunfo. Trata-se de uma condição da existência, e deve ser pensado como um fato em si mesmo. (Perder o ônibus não é sempre uma lição de vida: às vezes você simplesmente sente algo – raiva, decepção, cansaço – e em seguida pega novamente seu celular para ver vídeos de filhotes de tartaruga em uma rede social).

Em Elogio do Fracasso, o autor apresenta a partir de quatro perspectivas. 

O fracasso físico diz respeito aos problemas relacionados ao corpo. Para exemplificar seu caso, Brădățan lança mão da vida da filósofa francesa Simone Weil, uma das mais importantes pensadoras do século XX, que viveu como poucas pessoas a experiência em primeira mão da vida como operária em uma fábrica (ela também participou da Guerra Civil Espanhola e lutou contra o nazismo). 

O fracasso político, exemplificado a partir da vida e legado de Mahatma Gandhi, mostra como as tentativas de construção de um mundo diferente podem estar sujeitas às condições mais desfavoráveis de sua época e não atingir seu objetivo – mas ainda assim deixar um legado talvez maior do que se tivesse conseguido o sucesso. 

Na sequência, Brădățan volta sua atenção para o fracasso social, trabalhando as dificuldades de construir laços e vínculos, mas também de compreender as dinâmicas da relação com as outras pessoas nas situações do cotidiano – o social se revela nessa dificuldade, nos atritos e problemas, mas também no sentido de deslocamento, de estar sempre no lugar errado em um mundo difícil de compreender.

O último aspecto tratado no livro é o fracasso biológico, a perspectiva de que, em algum momento, haverá um fim. Fracassamos quando nos damos conta de nossa própria finitude, e entendemos que nenhum projeto humano imediato vai além de oitenta, cem anos. E que, na mudança das coisas, as transformações sempre significam alguma perda.

O que há de bom em fracassar? 

Do ponto de vista imediato, nada. Essa, aliás, seria uma resposta comum e, em alguma medida, acertada: é melhor quando as coisas dão certo (é muito bom chegar no ponto e o ônibus estar lá; melhor ainda ter um belo carro e assim por diante). 

No entanto, para Brădățan, o fracasso deixa a vida com cores mais nítidas. Nos torna humildes e conscientes de nossas limitações. Aprendemos que estamos sempre a um fio de deixar de ser o que somos. E isso pode ser um modo de medir um pouco melhor nossas atitudes – em relação à nossa vida, mas também no modo como tratamos as outras pessoas. 

 


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