O amor nos contos de fadas

Por: Leonardo Tondato de Mello

 

O que os contos de fadas podem falar a respeito do amor? Como histórias infantis falam sobre as diversas maneiras de se relacionar?

O livro de Verena Kast fala, de maneira poética e analítica sobre tais questões. Uma vez que o relacionamento é um espaço que também traz o desenvolvimento psíquico, a ampliação da consciência e o desenvolvimento. A partir das narrativas dos contos de fadas, Verena tece uma teia entre as relações humanas e o desejo pelo outro, pela completude e o amor.

O desejo pelo outro e os relacionamento se mostram de diversas maneiras na laboração. Há disposição sobre o amor, a simbiose, o encontro com o outro e o crescimento com o outro, não enquanto maneiras verticais de um desenvolvimento das relações amorosas, todavia como veredas do humano, que visam a premissa máxima junguiana: a individuação.

A obra começa com a temática da disposição do amor e o conto João de Ferro. No conto, a ótica familiar é analisada, tal como a questão do feminino e do masculino e a maneira como se dão na psique, enquanto dinâmicas relacionais. Um importante raciocínio arquitetado na obra é o masculino e o feminino que não são colocados de maneiras cindidas ou distintas, mas como ambos pertencentes ao sujeito.

Em João de Ferro, há relevante questão sobre o se dispor ao amor. Através da figura do jovem e do personagem que dá nome ao conto, há um desenvolvimento de aspectos de si mesmo, que culminam no encontro amoroso. No primeiro conto, então, é através da conscientização de si mesmo, de aspectos sombrios da personalidade que, via integração surtem um efeito de transformação na vida consciente, é possível o encontro, consigo mesmo e com o outro.

O segundo conto apresentado no livro é Jorinda e Jorindo. Na narrativa do conto, o leitor é transportado a um reino que contém bruxas e petrificações, mostrando estados em que o indivíduo se encontra “petrificado” sob os domínios da polaridade negativa arquetípica da grande mãe. O conto versa sobre a questão da simbiose nos relacionamentos, temática muito comum em relacionamentos que chegam ao consultório.

Assim, há a importante questão: O que é necessário para que o estado de petrificação termine? Como se desfazer de tal encantamento? A resposta está na estrada trilhada para si mesmo. O próprio contexto em que tal magia ocorreu se mostra, também, como resposta para tal dilema.

É necessária a reflexão do contexto que deixa o indivíduo negativamente encantado, separar-se e compreender os anseios do outro e de si mesmo, para que o feitiço da simbiose possa ser quebrado e que, cada um, possa viver enquanto indivíduo, dentro da relação.

O terceiro conto apresentado se chama O Cavaleiro Verde. Nele, a autora relata sobre o anseio do outro. Através da dinâmica do pai, Kast conta sobre os anseios e as expectativas do indivíduo, quando possuído pela dinâmica do complexo paterno positivo. O quanto há um desejo de cumprir as obrigações e expectativas imaginadas pelo pai real e internalizado afetam os relacionamentos e as escolhas amorosas e a necessidade da separação do reino paterno, para que o outro possa ser encontrado, em seu real estado e a união possa ser concretizada.

O quarto conto, chamado O Peregrino, também possui temática semelhante ao terceiro. Novamente o reino do pai é uma temática que aparece e a dificuldade em separação, juntamente com o anseio em regressar ao lugar do qual é conhecido, ou seja, o reino do pai, se encontra presente como pano de fundo do conto.

O confronto e a separação causam dor e sofrimento, que são necessários para que a consciência possa se transformar. Períodos de depressão, de mergulhos no inconsciente vêm por conta de tal movimento, todavia, ali nas profundezas do inconsciente, há possibilidade de reencontrar a si mesmo. Os movimentos de descida ao inconsciente, como descritos por Verena Kast são uma maneira de mitologema para os momentos de descida da alma aos ínferos, tal como Perséfone, Ishtar e tantos outros exemplos dados pela autora.

Após a descida e seus sofrimentos implicados em tais movimentos, há posterior regresso, com a consciência transformada, pois um processo ali ocorreu e uma consciência ampliada, não reflui mais para o estado onde se encontrava, pois o processo é transformador e modificador. Ou seja, após as separações e elaborações, o casamento entre masculino e feminino é realizado, dando o desfecho aos contos. O tema também é usado como ilustração para os dois últimos contos do livro, chamados, respectivamente: O Forno de Ferro e A Cotovia Cantante e Saltitante.

É necessário perder-se para encontrar-se. Tal frase se mostra como uma espécie de norte no livro de Verena Kast. Cabe ressaltar, novamente, que cada relação, que constelará à sua maneira, possui forma de desenvolvimento e crescimento para o casal. 

Reinos imaginais amaldiçoados na psique mostram a dificuldade em lidar com alguns conteúdos, que se mostram sensíveis e “embruxados”, paralisando todo o funcionamento do reinado. Pensando o reinado enquanto funcionamento da própria psique, ou seja, a psique enquanto casa e reino, tais conteúdos enquanto possuem a qualidade mágica/encantada drenam a energia da psique, constelando possessões ou maneias de funcionamentos que podem se ver presentes em vários âmbitos da vida, tal como os relacionamentos.

A obra traz uma importante compreensão das dinâmicas amorosas e dos anseios pela completude e realização através do amor e das dinâmicas que surgem em relacionamentos. De escrita compreensível e leitura fluida, O amor nos contos de fadas: O anseio pelo outro se mostra como uma importantíssima obra que resgata o pensamento metafórico como maneira de compreensão das questões arquetípicas da alma humana.

 

 

 

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Leonardo Tondato de Mello é psicólogo, historiador, filósofo, especialista em: Psicoterapia junguiana, Mitologia Comparada, Mitologia Criativa Contos de Fadas e Psicologia analítica, Arteterapia, Psicanálise dos Contos de fadas. Mestre em Gerontologia Social, doutorando em Ciência da Religião e candidato – analista pelo IJUSP.