Fioretti de São Francisco

Do livro Actus beati Francisci et sociorum eius, que significa: Feitos de São Francisco e de seus companheiros, escrito em latim, nasceu o livro Fioretti de São Francisco, em língua vulgar (italiano).

O livro foi publicado em versão moderna em 1902 com o título: Actus Beati Francisci por Paulo Sabatier. Muitas edições e traduções preferiram manter o título pela qual a obra é conhecida na língua italiana: “Il Fioretti di San Francesco”. As edições publicadas pela Editora Vozes mantiveram o nome de “Fioretti de São Francisco”. Na introdução da obra, o tradutor se expressa da seguinte forma, referindo-se a alguns termos considerados possíveis para traduzir o título da obra: Florezinhas, florinhas, floritas, florezitas, floração, florilégio, flórula, flósculos, tais termos seriam incapazes de expressar o que são Fioretti.

Entretanto, a palavra Fioretti significa “flor”, ou carinhosamente “Florinha”. No caso deste livro, poderíamos dizer que é um ramalhete. Um buquê composto pelas mais lindas flores da experiência de vida de São Francisco de Assis e de seus companheiros.

A obra é de autor desconhecido, escrita entre 1327 e 1337. Nas obras franciscanas é considerado um texto hagiográfico, embora careça de detalhes importantes da vida do santo e os episódios não estejam organizados em ordem cronológica.

O livro, escrito em língua vernácula, foi amplamente difuso antes de 1500. Por um longo período, até o início dos estudos críticos dos escritos de São Francisco e da hagiografia franciscana, os frades conheciam a vida do fundador através da Regra, com alguns escritos, das legendas de São Boaventura e Fioretti. A obra em questão, escrita na língua do povo, contribuiu para preservar e difundir a memória do Santo de Assis.

O conteúdo da obra coloca ao centro a figura de São Francisco, sua vida e sua busca pela santidade. Ao mesmo tempo, São Francisco é apresentado como alguém que se identifica e está conforme o Senhor, o que significa que Cristo é amado incondicionalmente pelo Pobre de Assis.

Na obra encontramos também o franciscanismo da origem, o início da primitiva fraternidade, Frei Francisco e seus companheiros. Há vários episódios no texto que apresentam Frei Bernardo, Frei Elias, Frei Egídio; Frei Leão; Frei Masseo, Irmã Clara de Assis e Frei Antônio de Lisboa, e outros frades no cotidiano franciscano, na fraternidade, na pobreza, na itinerância, na simplicidade e na busca pela santidade de vida.

Cada capítulo abre uma nova janela para o ensino e a aprendizagem no mundo franciscano. A obra é pautada no exemplo (em latim exempla), situações do cotidiano, o encontro com as pessoas, a pregação itinerante, a vida no início da fraternidade franciscana e seu desenvolvimento. Os episódios são caracterizados por relacionamentos bons e às vezes conflitantes. Ao ler os textos e considerar suas narrações, somos capazes de nos admirar, sonhar, desejar, rir, refletir e nos questionar. O mesmo acontece na passagem conhecida como o Lobo de Gubbio.

Quando temos um problema, podemos optar por exterminá-lo por meio de vingança, ameaça e violência. A população de Gubbio, ameaçada e atacada pelo lobo faminto e feroz, reproduz a mesma linguagem de ataques e perseguições.

São Francisco apresentado no livro consegue enxergar a realidade e propor um novo horizonte. O Santo de Assis se posiciona como intermediário entre o povo e o lobo. Não existe vencedor e perdedor, bom ou mau. O fechar-se é o primeiro passo para criar uma barreira para o diálogo. O povo busca justiça contra o agressor, utilizando todo tipo de violência. Todos estão armados e prontos para atacar. Quem realmente é o agressor?  Quem é a vítima?

A melhor solução, segundo o texto, foi adotada por São Francisco, escutar a necessidade do povo e também do lobo. O santo de Assis, próximo do lobo, entende que é pela fome que o pobre animal faz o mal. Foi encontrada uma solução simples para quem vive na simplicidade. Para ter paz é necessário que o lobo esteja saciado.

Muitas conclusões hermenêuticas podem ser tiradas deste relato. A sua vivência e aplicação podem desempenhar um papal fundamental no presente e no futuro.  São Francisco é o promotor da paz, a ponte do diálogo, o cuidador do mundo, o qual é jardim de Deus.

Os episódios visam educar a segunda geração de frades e as gerações futuras. Basta recordar a conhecida passagem da perfeita alegria ou do milagre da vinha, ou ainda a conversão do Sultão da Babilônia, ou o encontro entre Frei Francisco e Irmã Clara, quando um grande clarão se acedeu na cidade de Assis e foi visto de muitos outros lugares.

O livro também narra os milagres que São Francisco realizou durante a vida, como a libertação de um frade que estava em pecado com o demônio ou a cura de um leproso da alma e do corpo. Os milagres na hagiografia cumprem a função de manter e conservar o santo sempre atual, vivo, presente na consciência dos que creem.

Quanto à divisão da obra, a primeira parte é composta por 53 capítulos, um novo episódio descoberto por Paul Sabatier e a segunda parte dedicada aos sacrossantos estigmas de São Francisco e de suas considerações.

Ao nos aproximarmos desta obra e chegarmos ao final da leitura, reconheceremos sua nobreza e sua complexidade no gênero textual, uma mistura entre poesia e narração, canção dos trovadores da mesa redonda e a vida exemplar de São Francisco de Assis e de seus companheiros. Não faltarão bons momentos lúdicos, entrelaçados com uma autêntica fé franciscana no Criador e na relação com a Criação, com um desejo contínuo de transformar o mundo pelo otimismo, paixão, pela paz e pelo bem. Boa leitura!

 


Frei Gilberto da Silva, OFM, possui graduação em Filosofia pela Faculdade São Boaventura (Unifae), Curitiba-PR. É graduado em Teologia pelo Instituto Teológico Franciscano (ITF), Petrópolis-RJ. Possui pós-graduação em Espiritualidade Ecologia e Educação, pelo ITF, Petrópolis. Foi diretor pedagógico na Escola de ensino médio São Francisco de Assis, em Ituporanga-SC (2012-2015). Fez o Mestrado em Teologia Espiritual na Pontifícia Universidade "Antonianum" (2017), em Roma. É doutor em Teologia pela mesma Universidade em 2022. Publicou sua tese em 09 fevereiro de 2022, com o título: Frei Constantino Koser e o aggiornamento conciliar na Ordem dos Frades Menores: um caminho a ser descoberto. "Um estudo introdutório da obra Meditações, com a edição do ano de 1967". Tem experiência na área de Teologia, com ênfase em Teologia Espiritual, Franciscanismo e Ecologia Integral. Acompanhou em Roma o Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia e esteve presente no pacto das Catacumbas pela casa Comum (Catacumba Santa Domitila - 20 de outubro de 2019).