Filósofos espirituais
Por: Luciano Alves Meira
Richard White, professor e pesquisador de Filosofia da Creighton University, em Nebraska, dirige-se de modo especial a um número crescente de pessoas que se identificam como espirituais mas não religiosas, fenômeno que reflete uma cultura pós-secular, na qual a espiritualidade pode ser levada a sério por si própria, como uma forma singular de experiência, e não apenas como um anexo da religião.
Seu livro Filósofos espirituais é uma coletânea de discussões temáticas – nove ao todo –, cada uma delas referenciada por um pensador diferente, cobrindo um período de aproximadamente dois séculos de história da Filosofia.
White tem suas razões para dispor os temas na sequência em que eles aparecem no livro, mas não há prejuízo em se inverter a ordem dos capítulos. Começar pela compaixão, da qual todas as criaturas vivas são dignas, segundo o conceito que Schopenhauer emprestou do budismo, é uma forma de sensibilizar o leitor e prepará-lo para outras questões do espírito, mas o autor poderia muito bem ter aberto suas reflexões com o forte chamado de Carl Gustav Jung para o reencantamento do mundo mediante a recuperação consciente dos arquétipos do sagrado que se insinuam em nossas relações com a natureza e com a arte.
A discussão específica sobre o valor da arte como antídoto ao materialismo e ao utilitarismo contemporâneo ganha profundidade em um belo capítulo dedicado a Kandisnsky, um dos pioneiros da pintura abstrata. O artista russo insistia que, imanente ao mundo físico que está diante dos nossos olhos, existe também um mundo espiritual que, embora seja invisível, molda e dá forma a todas as nossas experiências e sensibilidades.
Algumas das escolhas do autor podem soar inusitadas, como o fato de o capítulo dedicado à virtude dadivosa estar lastreado em ideias de Friedrich Nietzsche que receberam, até hoje, pouca atenção dos analistas eruditos. Exercer a generosidade no sentido nietzschiano, explica White, não é compartilhar bens materiais, mas ser capaz de acolher a autenticidade do outro.
Em um dos pontos mais altos da obra, o autor demonstra que o sentido existencial está evaporando em uma civilização que entronizou no centro da vida coletiva a informação fragmentada e prefigurada das mídias instantâneas, relegando ao oblívio as narrativas espirituais. É com o inclassificável Walter Benjamin que White faz coro, ao afirmar que, na cultura de massa, a sabedoria da contação de histórias e parábolas espirituais vai sendo substituída pela explicação descontextualizada dos fatos brutos.
White nos apresenta ainda algumas práticas de autocuidado defendidas nos escritos tardios de Michel Foucault, ressaltando que para o célebre historiador de ideias francês, no mundo antigo, “a espiritualidade e a filosofia eram idênticas ou quase idênticas”.
O livro poderia terminar com as reflexões sobre o luto, tarefa para a qual o autor recrutou a companhia intelectual do desconstrutivista Jaques Derrida, outro grande catedrático francês, mas White preferiu concluir com a apresentação do pensamento da filósofa e linguista feminista belga Luce Irigaray. Segundo Irigaray, a Filosofia não deveria ser, conforme se tornou, o reflexo do amor que dedicamos à sabedoria, mas, sim, o reflexo da sabedoria que deriva do próprio amor, um amor que, nas palavras da pensadora, espiritualiza o corpo.
Ao fim e ao cabo, nenhum capítulo falha em entregar o que promete, junto das qualidades de uma narrativa envolvente, clara e fluida, que nos impele ao desejo de virar sempre a próxima página.
Luciano Alves Meira é professor e escritor, autor de Espiritualidade & Potencial humano.
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