Dois casos da prática clínica de Jung
Por: Vicente Luis de Moura, Ph.D.
A jornada que levou a este livro se iniciou no começo de 2011, quando uma gentil senhora visitou o arquivo de imagens no Instituto C.G. Jung em Zurique, onde eu era o curador. Sra. Lunin tinha quase 81 anos de idade e veio doar para o Instituto a correspondência entre C.G Jung e sua mãe, Maggy Reichstein, que foi uma de suas pacientes nos anos de 1920.
Após um olhar atento sobre o material, percebi a profundidade e as implicações desta correspondência, pois o caso de Maggy Reichstein foi relevante para Jung em muitos aspectos.
Jung escreveu em uma carta que ele era grato com as coisas que ele aprendeu com Reichstein e considerou seu material como exemplar, usando-o em diferentes publicações sobre temas importantes em sua teoria.
Jung relacionou a Reichstein como exemplo de sua prática clínica em diferentes publicações e a importância do caso de Reichstein pode ser vista, por exemplo, quando como ele cita que ficou emaranhado na transferência com Reichstein e um sonho seu mostrou a necessidade de ele reavaliar sua atitude em relação a ela. Nesta passagem fica claro que o caso de Reichstein foi um elemento crucial na compreensão de Jung do processo de transferência e contra-transferência.
Jung usou o caso dela para demonstrar os problemas de um desenvolvimento unilateral do intelecto e como este pode ser transformado pela ocorrência de eventos sincronisticos. Ele também apresentou mandalas pintadas por ela como exemplos do aparecimento de símbolos do Self durante o tratamento analítico.
Além disto, Jung relatou que pode entender as imagens nos sonhos, imagens e fantasias de Reichstein somente após identificar os paralelos entre estas imagens e o simbolismo oriental, o que chamou sua atenção e aprofundou seu interesse na relação entre a psicologia oriental e ocidental. Particularmente interessante foi um evento sincronístico no caso de Reichstein que impressionou Jung e ele afirmou que nada comparável aconteceu com ele depois.
Finalmente, em seu artigo “Realidades da Psicoterapia Prática”, Jung usou o caso dela demonstrar como a falta de conhecimento do médico pode ter impacto no tratamento psicológico e destacou a importância que, no tratamento analítico, não se fique rigidamente afixado em métodos. Ele conclui este texto apontando que fantasias e sintomas podem ser entendidos simbolicamente, como um processo de maior desenvolvimento e não apenas como eventos patológicos.
Mas, além do caso de Reichstein, este livro também apresenta a historia de sua irmã, Mischa Epper. Os documentos sobre as irmãs que estavam disponíveis em arquivos mostram o caso de Mischa Epper é relevante para a compreensão do desenvolvimento da técnica que Jung chamou de imaginação ativa, uma técnica que ele desenvolveu no processo de auto experimento que ele viveu e resultou no “Livro Vermelho”. O caso de Epper também esclarece aspectos da colaboração de Jung com Maria Moltzer, uma figura importante nesta fase importante do desenvolvimento da psicologia analítica.
Muitas perguntas apareceram durante a pesquisa feita para elucidar o caso das duas irmãs: O que este material nos diz sobre Jung e a evolução da sua prática? E o que aconteceu no caso de Reichstein que levou Jung a mencioná-la em relação a diferentes assuntos?
Este livro mostra os resultados desta jornada e revela a história de dois casos de C.G Jung que eram desconhecidos até agora. Com ele, é possível um encontro com Jung de maneira pessoal e pode-se compreender melhor sua forma praticar psicoterapia. Baseado em documentos históricos e em entrevistas com pessoas que conheceram Jung e estas pacientes, podemos ter uma visão abrangente do seu desenvolvimento metodológico em uma fase crucial de sua teoria.
Vicente L. de Moura: analista e psicoterapeuta. Supervisor, docente e analista de treinamento do Instituto C.G. Jung em Zurique, Küsnach, Suíça. Foi presidente da Fundação Susan Bach e curador do arquivo de fotos do Instituto C.G. Jung, Zurique, entre 1998 e 2015.
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