A morte em três tempos
Por: Evaldo D´Assumpção
Em 1978, médico formado em 1963, portanto já com 15 anos de experiência, nunca havia ouvido nem lido nada sobre a morte. Exceto quando ela nos era apresentada, na Faculdade e na vivência clínica, como uma inimiga difícil, na verdade impossível, de ser vencida. Naquele ano, tive a oportunidade de participar de um seminário com o instigante título: “Psicologia transpessoal da morte”. Psicologia era um assunto que me atraia, transpessoal algo que eu desconhecia, e morte… bem, essa era a inimiga. As três levaram-me a participar daquele evento. Para minha surpresa, quanto mais me inteirava do tema, mais me sentia fascinado por ele. Nos anos que se seguiram procurei, com enorme dificuldade, encontrar livros sobre o assunto, descobrindo que eram quase inexistentes em nosso meio. Aprofundando-me no tema, cada vez mais descobria sua importância para os médicos e profissionais de enfermagem, não só para melhor lidarem com os pacientes na fase terminal de suas doenças, como – e principalmente – para trabalharem com seus medos e fantasias a respeito dessa figura, sempre ilustrada de forma macabra. Afinal, quem lida com qualquer situação extrema de terceiros, deve primeiro estar muito bem resolvido consigo mesmo, a respeito de situações semelhantes. Especialmente com as perdas que vivenciamos no dia a dia.
Foi por isso, que depois de me sentir bem capacitado, tanto por estudos da psicologia, e por terapias feitas, especialmente nas áreas da Transpessoal, de Abraham Maslow e Assagioli, que se iniciava em nosso meio; da Gestalt-terapia de Fritz Perls; da Terapia de ajuda de Robert Carkhuff; e da Terapia centrada na pessoa, de Carl Rogers; tudo isso somando-se a um laborioso autodidatismo, buscando literatura americana, onde despontava a médica Elizabeth Kübler-Ross, com inúmeros livros, iniciei meu trabalho nessa área. Fiz diversos cursos e palestras para profissionais da área de saúde, escrevi vários livros, e muitos artigos para jornais e revistas, conseguindo despertar muitos profissionais para esse trabalho.
Sendo minha atividade essencialmente médico-cirúrgica, dedicava horas de folga, especialmente nos fins de semana, para realizar esse trabalho, que então era chamado de Tanatologia (Tanatos = morte, logos = estudo), e que hoje chamo de Biotanatologia, acrescentando “Bio” que significa vida, pois é um trabalho com a vida no seu término, e com o luto dos vivos, pelas perdas que tiveram. A morte, ela é apenas – se podemos dizer assim – a grande mestra que nos dá todo a base desse trabalho.
E o fiz, por muitos anos, como um serviço assistencial, prestado sem ônus para os que dele necessitavam. Também dentro da Igreja católica criei Grupos para enlutados, como semente de uma Pastoral do Luto, que sonho ver um dia, oficialmente implantada em todas as comunidades católicas.
Nesse trabalho verificamos que haviam algumas diferenças importantes na forma de lidar com a morte, situando-a em três tempos. O 1º, o das crianças, cuja morte é tida como absurda, porque ela ainda não teria tido tempo para viver a vida. Em nosso livro procuramos mostrar que não é bem assim. Depois vem o 2º tempo, o do adolescente, ao qual preferimos chamar de adolescente-adulto, como explicamos no livro, os quais têm seus problemas típicos. E, finalmente, chegamos ao 3º tempo, o do idoso. Nome que prefiro usar ao invés de velho, porque este tem uma conotação de coisa estragada, inútil. Já idoso, é a forma haplológica de idadoso, que assim como bondoso, significando quem tem muita bondade, caridoso, o que tem muita caridade, idoso significa o que tem muita idade, muitos anos de vida. Mas, necessariamente não é velho, nem inútil. Tampouco merece o epíteto de “pé-na-cova”.
Em nosso livro procuramos, de uma forma objetiva e de fácil compreensão, sem muitas sofisticações, abordar esse tema de modo agradável e útil, para quem quer aprender a conviver, e bem, com a nossa irmã morte, como bem a chamou São Francisco.
Evaldo D´Assumpção é Médico e Escritor. Faz parte da Academia Mineira de Medicina e da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores. Autor dos livros “Sobre o viver e o morrer”, “Luto”, “Suicídio” e “A morte em três tempos”, da Ed. Vozes; e o recém lançado: “Crônicas à beira-mar”, da Ed. Del Rey. Também os dois volumes de suas memórias, esses disponíveis pelo e-mail: evaldo.edite@gmail.com
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