Dizer adeus a si próprio
Por: Evaldo A. D’Assumpção, autor dos livros “Suicídio” e “Luto – Como viver para superá-lo”.
Uma das mais dramáticas situações vividas por uma pessoa, mas também pelos seus familiares, é o desejo e a concretização do autoextermínio, do suicídio.
Dizer adeus a si próprio é algo inimaginável para a maioria das pessoas, contudo é assustador o reconhecimento de que o número de suicídios tem aumentado de modo significativo, em nosso meio e em todo o mundo. Especialmente entre jovens. Fica então, no ar, a pergunta sem resposta: “O que leva uma pessoa a decretar a sua própria morte?”
Em 1897, o sociólogo francês Emile Durkheim desenvolveu um dos trabalhos mais importantes a respeito do suicídio, solidificando o seu caráter “psicológico” e excluindo o “religioso”, até então predominante. Muitas das suas idéias são hoje contestadas, porém o estudo do suicídio que ele motivou trouxe valiosos conhecimentos que modificaram a compreensão desta misteriosa agressão ao forte instinto de sobrevivência que possuímos.
Podemos dizer que o suicida não é alguém que mata a si próprio, mas que busca se livrar de uma autoimagem que lhe causa intoleráveis sofrimentos. Movido por um forte distúrbio psicológico, confunde a autoimagem – que é algo criado por nós mesmos, mas também pelas fortes influências que recebemos, desde a infância, de parentes, amigos, educadores e pela sociedade em que vivemos – com a sua própria pessoa. Tentando eliminar a autoimagem, em sua confusão mental, acaba por matar a si próprio.
No curto espaço de um artigo, não há como dissecar sociologicamente o suicídio, porém alguns conceitos, além de sua própria razão, são importantes que se conheçam. Mais detalhes os leitores interessados poderão encontrar nos meus livros “Suicídio” e “Luto – Como viver para superá-lo”, ambos da Editora Vozes.
A dor de uma depressão verdadeira e profunda é inimaginável por quem não a sofre, ou já a sofreu. A esquizofrenia, assim como certas desordens psicológicas graves, o alcoolismo, a dependência de drogas, tudo são fatores extremamente graves na gênesis de um suicídio, necessitando de tratamento intensivo e competente.
Também o medo de um sofrimento intenso em decorrência de uma doença incurável, o pavor de mutilações em função de tratamentos cirúrgicos radicais, as apreensões relacionadas a futuras dificuldades financeiras, o rompimento de uma relação sentimental, alguma perda significativa, tudo pode contribuir para essa atitude extrema.
Nesses dois últimos anos, um fator que contribuiu bastante para aumentar o número de suicídios foi essa confusa pandemia, que trouxe muitas dúvidas e inseguranças, especialmente pelo questionável isolamento, determinado por algumas autoridades e rejeitado por outras. O medo levou muitas pessoas a se submeterem a essa reclusão, por vezes de forma bastante radical, trazendo-lhes solidão, angústia, e um imenso pavor de serem acometidas por uma doença que a todo momento era descrita pelos meios de comunicação, com requintes de crueldade. Amargurados com tantas ameaças e tensões, foram muitos os que preferiram a morte imediata pelo suicídio, do que aguardar o fim da turbulência. Por isso mesmo não nos cabe julgar aos que o buscam ou buscaram, mas apenas tentar compreender e aceitar, ainda que soframos intensamente com isso. Mas também e, sobretudo, os amigos e familiares devem procurar ajuda para melhor superar as perdas.
Nenhum sentimento é tão destrutivo quanto o da desesperança. Mais do que a depressão, perder totalmente a esperança de qualquer saída para um problema de alta significância pode ser simplesmente devastador.
Num suicídio, para os que ficam o mais importante é trabalhar para não assumir um comum sentimento de culpa – também devastador! – causado pelo questionamento, totalmente inútil, do que se deixou de fazer para evitá-lo, e o porquê de tal fato ter ocorrido.
Muitas coisas só nos parecem evidentes depois que acontecem, depois de consumadas. Portanto, não há como querer prever o que quase sempre é imprevisível, especialmente para quem está profundamente envolvido com um grave problema. Numa sociedade doente como esta em que vivemos, sufocados pelo desejo do mais ter, agrilhoados pelos apegos ilusórios, há que se cultivarem valores esquecidos, tais como a ternura, o acolhimento, a disposição de ouvir, a compaixão, o perdão, a humildade e a certeza da impermanência de tudo. Mas, sobretudo, a espiritualidade, e a certeza da existência de um Deus que é amor e misericórdia, portanto incondicionalmente confiável, e não um justiceiro implacável como querem certos pregadores, e algumas religiões.
Evaldo A. D’Assumpção é Médico, Biotanatólogo e Bioeticista. Especializado em Cirurgia Plástica e Tratamento de Queimados, em 1978 conheceu a Tanatologia, dedicando-se ao seu estudo e divulgação, através de cursos, grupos, artigos, palestras e livros. No Brasil, foi um dos pioneiros desse trabalho, criando os Grupos de Suporte ao Luto – GSuL, onde acolhia, sem fins lucrativos durante o tempo em que exerceu sua atividade cirúrgica, centenas de enlutados e doentes graves. Senior-Member of ADEC – Association for Death Education and Counceling (EUA), foi fundador, e é hoje membro emérito da Sotamig – Sociedade de Tanatologia de MG. Estudioso da bioética, sobre ela deu aulas e escreveu vários livros e artigos. É Membro Emérito da Academia Mineira de Medicina e da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores – MG, das quais foi presidente. Tem hoje mais de cinquenta livros publicados.
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