Artigo: Sobre a brevidade da vida e sobre o ócio
“ O tempo que temos não é exíguo, mas o desperdiçamos muito.” – Sêneca
Antes de falar sobre o livro é preciso ter em mente que Sêneca pertence à filosofia clássica e está inserido na corrente estoica. Essa corrente foi fundada por Zenão de Citio, e ensinava o autocontrole das emoções, a vivência da virtude como busca da felicidade e na prática ética, manter a mente calma e racional e o prazer sendo o inimigo da sabedoria. E o estoicismo não para por aí! Existem muitos outros ensinamentos. É nesse contexto que Sêneca escreve seus dois diálogos contidos nesse livro: “Sobre a brevidade da vida e sobre o ócio“.
No primeiro diálogo, o autor trabalha como a vida é breve, como nós a enchemos de coisas e não vivemos a vida como deve ser vivida. Sêneca propõe uma vida gratificante, que é a prática do ócio, mas para chegar nessa ideia, ele caminha em assuntos que nos mostram onde estamos colocando a nossa vida. Nos provoca, mostrando que não possuímos nossa vida – e nem possuímos a nós mesmos – possuímos o outro e as coisas do outro.
“Ninguém toma posse de si, consomem-se uns aos outros. Pergunta sobre estes nomes que estão na memoria e verás que serão identificados por esses traços: Adula beltrano, que adula cicrano.
Ninguém é dono de si.”
Com essa exposição, o pensador nos mostra a nossa ocupação em viver aquilo que não é nosso. Se queres viver bem, vive o que é bom para ti, vive o ócio criativo.
Como um bom estoico, Sêneca aborda e salienta neste livro que os vícios perseguem o homem com muita força e empenho e os assediam de todos os lados. Os vícios apagam a verdade dos olhos, não permitindo que vejamos o que precisamos ver. Nesse caminho, enche-se a vida de muitas coisas inúteis, deixando de vivê-la verdadeiramente. O filósofo cita um exemplo bem interessante que ilustra essa trajetória do homem. O filósofo cita um homem que viveu até os 100 anos. Na realidade não foram vividos completos, mas, sim somente alguns anos, pois, a maior parte da vida desse homem, ele encheu com trabalhos em excessos, com coisas indevidas, com vícios, com a vida de outras pessoas, com o fazer nada, pensando que estava vivendo o ócio, mas, pouco viveu o ócio criativo, que é acompanhado também de literatura. Não adianta fazer o ócio se não sabe o que ele vem a ser e, muito menos, entender o verdadeiro sentido da vida.
Sêneca, citando Cícero, mostra que muitos homens se enganam achando que estão vivendo por serem líderes, poderosos cheios de dinheiro, que possuem uma vida com muitos compromissos sendo solicitados por muitos. Contudo, tudo isso os faz perder o tempo de sua vida. Segundo o autor, enchem-na com tudo, menos com o verdadeiro sentido de viver a vida: em virtude e na vivência do ócio.
Mas, então, o que vem a ser esse tal “ócio”?
O ócio para Sêneca é a contemplação da natureza, porém o ócio deve ser de acordo com a vida estoica. Não fazer nada nem sempre é viver o ócio, é deixar a vida passar sem viver essa dádiva. O ócio subsiste em um estado fragmentado. O trabalho diz respeito ao uso racional do tempo livre, pelo qual se pode ainda ajudar ativamente a humanidade engajando-se em questões mais amplas sobre a natureza e o universo.
“(…) logo, vivo de acordo com a naturezas e me doei a ela por completo, se a admiro e a cultuo. No entanto, a natureza quis que eu fizesse as duas coisas, tanto estar em ação
como ter um tempo para a contemplação.”
Percebe-se na apresentação de Sêneca, especialmente, nos diálogos sobre o ócio, que tanto a ação e a contemplação são importante para se ter um boa vida, para fazer valer os anos de vida que cada um possui. Este tratado pretende mostrar o real valor e o real sentido do viver.
Essas questões postas por Sêneca, escritas há mais de 2.000 anos, são bem atuais, pois, a vida contemporânea vive o auge do “corre-corre” e da não-contemplação. Estamos tão conectados, que não vemos a vida passar.
Robson de Oliveira Santos
Professor de filosofia e treinador de equipes da Editora Vozes
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