A vida não é fácil
Por: Renato Nunes Bittencourt
A vida não é fácil, essa é uma palavra de ordem que pronunciamos em qualquer situação de adversidade e muitas vezes de forma irrefletida. A vida não é fácil pois não existe um método prévio para resolvermos nossos diversos problemas e aflições. No entanto, o conhecimento filosófico, desde priscas eras, sempre vislumbrou abordar as condições concretas que prejudicam o ser humano a encontrar a almejada felicidade ou bem-viver. Todavia, não se trata de uma tarefa fácil. Qualquer genuína arte da felicidade pressupõe uma vida de rigor, razoável ordenamento das paixões e prioridades existenciais, algo muito distante das promessas vazias apregoadas por muitos ideólogos e influenciadores digitais.
Kieran Setiya, recorrendo ao maravilhoso estofo de nossa cultura filosófica, literária e outras áreas sapienciais que jamais se dobraram aos facilitadores de ocasião, argumenta em sua A vida não é fácil que as promessas de felicidade advindas da glorificação entusiástica do hedonismo pós-moderno traz felicidade, digamos assim, apenas para quem justamente vende esses pacotes de autorrealização para consumidores existencialmente desorientados.
A indústria da farmacopeia do bem-viver, sem os devidos deveres para com a justa sociabilidade ou com as causas ambientais, por exemplo, é apenas um engodo que mascara nosso esvaziamento moral. Nessas condições, mais do que vislumbrarmos criarmos caminhos para um bem-viver arredio e inviável de ser universalizado, já que somos todos singulares, a sabedoria prática de vida requer o reconhecimento da contingência, que se configura como a realidade da incerteza, da imprecisão e do aleatório do existir. Se aceitamos a ideia de que nada é regido por uma força providencial que preestabelece o nosso existir, tonificamos a nossa capacidade de liberdade existencial e ao mesmo tempo lidamos melhor com as frustrações e fracassos em nossas aspirações.
Afinal, a lógica da sociedade moderna consiste em postular ao ser humano um desenvolvimento contínuo das suas aptidões e depreciar cada falha como erro individual, culpabilizando o sujeito por sua pretensa incapacidade de realizar a felicidade em sua vida. É assim que a sociedade de desempenho se estabelece em nossa conjuntura econômica pautada pela rentabilidade constante, ao preço de nossa própria saúde. Não é possível sermos felizes assim.
Ora, o que Kieran Setiya argumenta é que, mesmo nas falhas, mesmo nos fracassos, mais do que encontrarmos aprendizados ou lições para tentarmos outra vez acertar na medida da vida, estamos, acima de tudo, vivendo, e talvez utilizando-se de um viés para além de qualquer engajamento normativo, reconhecermos nossas vicissitudes e fraquezas não é um caminho para a beatitude, mas impede que nossas aspirações e anseios por crescimento profissional e pessoal, nossa busca pelo sucesso, em caso de não-realização, nos frustre. Não é assim um convite ao comodismo, mas uma percepção imanente de que a vida não possui um sentido ulterior, e que cada instante de bem-viver, cada instante de alegria, vale mais do que promessas transcendentes de uma felicidade pretensamente duradoura. Mas sabemos que não é fácil chegarmos a tal conclusão.
Renato Nunes Bittencourt é Doutor em Filosofia pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia pela UFRJ e Professor do Curso de Administração da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis da UFRJ. Publica constantemente textos sobre a relação entre sociedade do cansaço, ideologia gerencial e administração, assim como alternativas viáveis para a superação desse modelo de vida.
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