A amorosidade do Deus-Abba e Jesus de Nazaré

Por: Eliseu Wisniewski

Este livro, de natureza introspectiva, é útil para quem quer descobrir/fazer a experiência deste Jesus que nos mostrou o Deus cheio de amor

A amorosidade do Deus-Abba e Jesus de Nazaré
A amorosidade do Deus-Abba e Jesus de Nazaré

Leonardo Boff foi por mais de vinte anos, professor de Teologia, especificamente de Cristologia, nos Instituto Teológico Franciscano em Petrópolis e nesta área escreveu dezenas de livros como: Jesus Cristo libertador; Paixão de Cristo, paixão do mundo; A ressurreição de Cristo e a nossa ressurreição na morte; O Evangelho do Cristo cósmico, entre outros. Neles, para entendermos qual o significado do Filho de Deus, devemos fazer uma distinção, sem ser uma separação, entre jesuologia e a cristologia. A jesuologia acentua principalmente o homem Jesus de Nazaré, suas palavras e seus gestos. Portanto, o Jesus histórico ocupa o centro. Nunca devemos esvaziar a humanidade de Jesus a pretexto de sua divindade como Filho de Deus, e vice-versa. A cristologia, como fica claro no termo, coloca o Cristo da fé no centro, sem desconsiderar o Jesus histórico.

Nesta perspectiva, o referido autor brinda-nos com a obra: A amorosidade do Deus-Abba e Jesus de Nazaré (Vozes, 2023). Este livro condensado e bem pensado busca responder a estas perguntas: qual é a experiência espiritual de Jesus de Nazaré pela qual Ele se sentiu o Filho bem-amado do Deus-Abba, paizinho querido? Que experiência Jesus teve, tão profunda e íntima, a ponto de se sentir o Filho bem-amado do Deus-Abba, que quer dizer: do Deus-Paizinho querido? Quando emergiu essa experiência e em que situação específica?

As dezesseis reflexões chamam a atenção para: 1) a relevância da ressurreição para a cristologia (p. 9-13), ou seja, o “evento ressurreição constitui o ponto de partida de toda e qualquer jesuologia e cristologia” (p. 10); 2) a carne (jesuologia) precede o espírito (a cristologia) (p. 15-23); 3) o projeto fundamental de Jesus: articular o Pai nosso com o pão nosso (p. 25-28): resumidamente podemos afirmar que o essencial de sua mensagem contida nesta oração reside nestes dois polos: o Pai nosso e pão nosso no arco do Reino, que configura o projeto derradeiro e supremo de Deus sobre a humanidade e sobre toda a criação (p. 26); 4) de um monoteísmo estrito para um monoteísmo trinitário (p. 29-31).

Feitas estas observações necessárias, Leonardo Boff mostra na quinta reflexão como se deu o processo interior de Jesus de se sentir Filho bem-amado do Deus-Abba, destacando a importância do batismo de Jesus: a consciência de ser Filho do Deus-Abba (p. 33-38). Na sequência, o autor aprofunda a natureza da experiência de Jesus por ocasião do batismo por João Batista – a experiência originária: a amorosidade do Deus-Abba (p. 39-44).

Leonardo Boff observa que uma coisa é ser objetivamente o Filho bem-amado de Deus, que pode ser desde sua concepção, e outra é o dar-se conta, subjetivamente deste evento, por isso, mostra como Jesus foi e dando conta da proximidade amorosa de Deus, até irromper a plena consciência ao se batizar no Rio Jordão com 30 ou 34 anos, segundo alguns (p. 45-48). Tomado pela loucura divina da amorosidade incondicional e da proximidade amorosa de Deus para com todos os seres humanos, para além de qualquer condição social ou moral, a oitava reflexão mostra como Jesus revela a amorosidade do Deus-Abba com gente mal-afamada (p. 49-52). Neste quesito, Boff ressalta que Jesus, tomado por essa amorosidade do Deus-Abba, vai a seus irmãos e irmãs e lhes mostra por suas atitudes essa novidade da proximidade amorosa e incondicional de Deus (p. 50).

Não há uma condenação eterna, só temporal é a afirmação feita no nono capítulo (p. 53-56). Se o que prevalece é a amorosidade, observa o autor, a condenação é uma criação da sociedade, que decide quem está dentro e quem está fora do estatuto legal que comunitariamente ela definiu. Para o Deus-Abba não existe um fora. Todos estão incluídos, pois todos são seus filhos e filhas, antes de qualquer condenação posterior (p. 53). Por sua vez, a décima reflexão aborda a recusa da amorosidade incondicional do Deus-Abba (p. 57-62).

Nestas páginas, Boff pondera: os negadores e os ateus têm a liberdade de serem o que são, de não colherem ou nem sequer saberem dessa amorosidade de Deus. Mas isso não muda em nada para o Deus-Abba, que nunca os abandona porque nunca deixam de ser também seus filhos e filhas […]. Se não puderam enxergar uma estrela no céu, a culpa não é da estrela, mas de seus olhos (p. 60). Na sequência, a décima primeira reflexão ressalta a inversão: a conversão do pai do filho pródigo (p. 63-64), ressaltando que a parábola do filho pródigo revela a Tradição de Jesus (p. 64).

No décimo segundo capítulo (p. 65-73), o autor amparado por elementos sociológicos weberianos observa que, após a íntima e fortíssima experiência de amorosidade e de se sentir Filho bem-amado do Deus-Abba, foi ao deserto, onde é confrontado com três tipos de poder: o profético, o político e o religioso. Destaca que Jesus rejeita as três formas de poder, pois entende sua missão à luz do Servo Sofredor de Isaías como aquele que carregou as nossas enfermidades, tomou sobre si as nossas dores (p. 66-67). Tudo isso é fruto de uma profunda espiritualidade (p. 75-83), estruturada por três paixões: a) a de sentir-se efetivamente Filho de Deus e agir representando Deus-Abba (p. 77-78), b) o anúncio do Reino de Deus (p. 78-81), c) a amorosidade para com os pobres e invisíveis (p. 81-83).

Os três últimos capítulos têm um caráter prospectivo e exploram: a) o futuro da radical amorosidade do Deus-Abba e de Jesus (p. 85-87); b) o surgimento de uma cristologia aberta para o futuro (p. 89-94); c) a amorosidade de Jesus e o destino da vida na Terra (p. 95-97). Com realismo esperançoso, diz que o Deus-Abba de seu Filho bem-amado tem o poder de, das ruínas, forjar um novo Céu e uma nova Terra. As lágrimas serão enxugadas, os tristes serão consolados porque inseridos na família divina do Pai, do Filho e do Espírito santo. Começara a verdadeira história do Deus-Abba com seus filhos e filhas bem-amados no seu Filho unigênito bem-amado, e com o inteiro universo transfigurado pela eternidade afora (p. 96-97).

Estamos sob a amorosidade de Deus. Eis a mensagem desta envolvente obra de Leonardo Boff. Escritor de translúcida linguagem, esta obra serve para qualquer pessoa, independentemente de sua confissão religiosa. Livro de natureza introspectiva, útil para quem quer descobrir/fazer a experiência deste Jesus que nos mostrou o Deus cheio de amor.

Este escrito coloca-nos diante deste desafio pastoral: experimentar Deus na sua amorosidade e conduzir a evangelização a partir da amorosidade incondicional e a misericórdia ilimitada do Deus-Abba. Verdadeiro desafio diante de posturas pastorais calcadas no medo e no pavor do inferno… Contudo, apostamos na amorosidade como conteúdo maior do anúncio cristão.

Nesta empreitada vale-nos o testemunho de Dostoiévski sobre Jesus: Às vezes Deus me envia instantes de paz; nestes instantes, amo e sinto que sou amado. Foi num destes momentos que compus para mim um credo, no qual tudo é claro e sagrado. Este credo é muito simples. Ei-lo: creio que não existe nada de mais belo, de mais profundo, de mais simpático, de mais humano e de mais perfeito do que o Cristo; eu o digo a mim mesmo com um amor cioso que não existe e não pode existir. Mais do que isto: se alguém me provar que o Cristo está fora da verdade e que esta não e acha nele, prefiro ficar com o Cristo a ficar com a verdade…

Adquira já


Eliseu Wisniewski é presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul, mestre e doutorando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).