Sociologia Geral - Volume 4

Por: Rodrigo da Rosa Bordignon

 

Vem à luz, neste importantíssimo trabalho da Editora Vozes, a tradução do quarto volume do curso de Sociologia Geral, ministrado por Pierre Bourdieu no Collège de France. A divisão adotada pela editora segue o modelo da Polity Press, o que significa que, em breve, teremos mais um volume.

Provocador, o título dá a primeira pista de leitura: ao contrário dos propósitos de construção de alguma linearidade argumentativa destinada à definição de escolas, linhagens, genealogias ou tradições de pensamento, os cursos são, ao mesmo tempo, um esforço de exposição e articulação entre as noções centrais da perspectiva teórica de Bourdieu e uma reflexão continua sobre a sociologia, o fazer sociológico, e as necessárias tensões entre esta e as outras formas de conhecimento do mundo social. 

Não é à toa que, nas idas e vindas próprias a uma situação de comunicação, Bourdieu retoma constantemente o problema, em que a sociologia se vê embrenhada, dos embates pelo discurso legítimo sobre o mundo social. Nisso, os próprios cursos são um exemplo formidável de vigilância calcada no esquema de análise do mundo social que o autor ensaia transmitir: se o mundo social é um campo de forças, é também um campo de lutas, e essas lutas envolvem conflitos de definição, de classificação, de apreciação, julgamento e avaliação.

Motivado pela intenção declarada de transmissão de um modo específico de fazer sociologia, como bem destaca o autor, “os resultados [...] parecem menos importantes” do que o trabalho constante, crítico e reflexivo de ruptura com os automatismos do discurso científico ou de outras formas de discurso, trabalho sem o qual a sociologia não tem condições de se afirmar. É uma sociologia em processo, uma forma de conhecimento que se modifica e se constitui pela prática ativa da pesquisa, pelo esforço contínuo na apreensão crítica das lógicas subjacentes às relações de poder e aos modos de dominação 

As noções fundamentais – habitus, campo e capital – surgem, assim, entramadas em seu próprio processo de construção e retificação, sendo, em muitos momentos, objeto de sistematização provisória. A leitura adequada deste ferramental, implica a compreensão de sua interconexão em nível mais elementar e, justamente por isso, mais eficaz, visto que informa o modo de ruptura necessário ao trabalho sociológico. Em outras palavras, é necessário atinar para a concepção de ciência do mundo social que Pierre Bourdieu engaja em sua prática, e que busca o tempo todo transmitir. Além disso, é fundamental reconhecer que essas noções foram forjadas à luz do trabalho empírico e são destinadas a revisão sistemática. Isso impõe sempre desafios adicionais ao trabalho pedagógico de transmissão, pois os fins didáticos, por vezes, enrijecem o raciocínio necessário ao bom manejo de uma sociologia não afeita aos ditames da aplicação de conceitos. 

Assim, se a analysis situs, a analysis habitus e a apreensão das diferentes forças vigentes em determinados espaços, quando vigilantemente acionadas contra o sujeito do conhecimento sociológico e em função da construção criticamente fundamentada de objetos de pesquisa, permitem escapar a uma variedade de oposições que pairam em nossa disciplina, só o fazem na medida em que nos colocamos o problema da multiplicidade de níveis, conflitos, armas e mediações a que está sujeito o discurso sobre o mundo social e sobre nós mesmos, enquanto agentes posicionados, em diferentes momentos de nossa trajetória social e institucional, em diferentes pontos deste mundo. 

 

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Rodrigo da Rosa Bordignon é professor do Departamento de Sociologia e Ciência Política e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Ciência Política da UFSC.