Religiões politeístas do mundo antigo
Por: Adone Agnolin
Não é muito fácil dizer algo novo e refletir, mesmo que brevemente, sobre um livro, mesmo que seja de um historiador que, nele e nesse formato, entrega sempre uma síntese e um resultado de seu – muitas vezes atormentado, complexo e absolutamente não-linear – percurso de pesquisa e indagação. Tudo isso, obviamente, por além das outras formas comunicativas orais segundo as quais apresenta esses resultados em congressos, simpósios, salas de aula etc.
Tímida confissão: nunca escrevi, antes, em um “blog”, tendo sempre olhado com certa desconfiança – claramente não justificada (o limite é todo meu), entenda-se! – a certos mais recentes instrumentos, modalidades e tecnologias da escrita. Com a curiosidade despertada pelo convite, portanto, procurando me informar a respeito, acabo de descobrir que o “blog é um site informativo que se popularizou nos anos de 2000 e apresenta conteúdos em ordem cronológica reversa”.
Partimos daqui, portanto. É justamente com relação a essa “ordem cronológica reversa” que se torna importante, para um historiador enquanto tal, ter em vista, a priori, a crítica à “lei da retrospectividade”. Conforme os termos propostos por Lev Tolstoj, de fato, “a luz que projetamos sobre o passado obedece à lei da retrospectividade”, isto é, organiza o percurso de forma tal que leve até nós. É assim, enfim e de forma quase inevitável, que a partir do nosso mundo hodierno – resultado de dois mil anos de respiração do cristianismo – e tendo em vista o problema da religião, com nosso olhar retrospectivo dirigido ao passado de um Mundo Antigo corremos o risco, muitas vezes, de projetar naquela “religião” a imagem do presente: de uma síntese no presente da “revolução” (segundo os termos historicamente apropriados de Raffaele Pettazzoni) que esse conceito veio sofrendo no contexto do mundo romano tardo-antigo.
Neste caso, com relação a esse “site informativo”, pretende-se, antes de tudo apontar e manter presente esse problema do olhar retrospectivo para o passado: que, no final das contas, é sempre o horizonte com o qual se confronta o historiador. Problema, esse, tanto mais complexo e amplo a ser levado em consideração quando olharmos, enfim, para os três termos chamados em causa pelo próprio título desse livro: “religiões”, “politeístas”, “mundo antigo”...
Religiões. Esse problema, como faz presente o trabalho, deve remeter, antes de tudo, à complexa construção histórica desse conceito: que vem a indicar, de modo privilegiado, o mundo “religioso” (adjetivação problemática por si) antes da afirmação da religião cristã (que irá se desprendendo e afirmando, sucessivamente, no interior do Império romano). É quando se impõe a nova religio (o cristianismo) que, ao mesmo tempo, constrói-se o olhar para a Antiguidade que virá a determinar sua sucessiva perspectiva e percepção: isto é, aquela sub specie religionis que, com a lente da nova religião, determinará e condicionará sua configuração retrospectiva em relação a um Mundo Antigo, bastante distinto. É essa diferença crítica e substancial que o trabalho não deixa (não pode deixar) de levar em consideração.
Politeístas. Aqui também o problema se põe, prioritariamente, em relação a um olhar retrospectivo importante de não se perder de vista. O termo “politeísmo” foi cunhado somente no século XVI de nossa era para, segundo Sabbatucci, definir a ‘natureza divina’ (theotes) que os pagãos tinham fracionado em tantas divindades, ao invés de contê-la em um deus único. Logo, a construção do termo a posteriori é, de algum modo, uma conotação denotativa que se firma em termos negativos: denotando, antes de tudo, um não monoteísmo (logo, se trata de uma conotação denotativa falsamente positiva). Esta é outra importante e imprescindível atenção que o livro leva constantemente em consideração, apresentando, desse modo, a característica referencialidade mítico-ritual-modelar que determina, enfim, o caráter étnico das “religiões antigas”. Portanto, quando se fala em “religiões antigas”, é preciso prestar atenção, sobretudo, à estreita associação entre o mundo antigo, o seu contexto étnico e das cidades-estados e, em consequência, as características próprias de seus “politeísmos”.
Mundo Antigo. Em consequência dos problemas centrais e prioritários apontados logo acima, destaca-se, enfim, que quando falamos em mundo antigo e em suas religiões seria oportuno fazê-lo, pelo menos, restringindo e reduzindo (com relação a quanto o termo denotativo foi, sucessivamente, ampliado e dilatado por obra do cristianismo) o conceito de religião a, pelo menos, quanto podiam entendê-lo e considerá-lo os gregos ou os romanos antigos. Nessa direção, segundo quanto proposto pela análise do estudo, aquilo que nós distinguimos como “dimensão religiosa” em relação ao sistema social para o qual olhamos, precisa ser constantemente contido e corrigido perante o e quando nos debruçarmos sobre o mundo antigo, na medida em que, naquele contexto, essa dimensão é construída e permanece sempre fortemente entrelaçada e fundamentada sobre sistemas sociais complexos e articulados que conhecem divisões e especializações de funções e de tarefas (trata-se, de fato, de sociedade “complexas”), além de uma estrutura urbana e, finalmente, da nova função assumida pela escrita.
Em uma breve síntese, essa é a textura fundamental dos problemas que, debruçando-se nos diferentes contextos “religiosos” do mundo antigo (Mesopotâmia, Egito, Grécia, Roma e América pré-colombiana) – no interior de certo seu comum horizonte e nas suas imprescindíveis especificidades históricas e culturais –, este estudo leva devidamente em consideração para realizar uma sua leitura sob uma adequada perspectiva histórico-religiosa.
Adone Agnolin é graduado em História das Religiões junto à Università degli Studi di Padova, Itália; doutorado em Sociologia; pós-doutorado em História Social, junto à USP. Professor associado/livre-docente de História Moderna e de História das Religiões junto ao Departamento de História, USP. Integrante de vários projetos temáticos de pesquisa nacionais, junto ao Cebrap: “Missões Cristãs e Populações Indígenas”; à USP: “Dimensões do Império Português”; à Unifesp: “Antropologia e História das Religiões no século XX” etc.; e internacionais, em Pádova: “Civiltà e Religioni”; Lausanne: “Techniques du Corps et de l’Esprit”; Macerata: “Libertà dei Moderni e Processi di Civilizzazione” etc. Finalmente, integrante do Comitê Editorial e (co)diretor da Revista Internacional Civiltà e Religioni. Atua, sobretudo, no âmbito de História Moderna, Colonial, das Religiões, Catequese e Missão.
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