Documentário Em Busca do Self: Autenticidade, liberdade e sentido na vida moderna

Por: Lucas Costanzi

 

Em Busca do Self é um filme que usa as teorias de dois grandes pensadores do século XX – Carl Jung e Viktor Frankl – para propor uma reflexão que julgamos de máxima importância, a saber, a real expressão do indivíduo consigo mesmo e no mundo que o cerca.

Em Busca do Self segue na esteira de nosso trabalho anterior: o documentário Teatro das Sombras. Na época da gravação deste primeiro filme, o Brasil vivia algo que não acontecia há pelo menos 40 anos, algo que deixou o país em alerta, quase irreconhecível. Uma polaridade política que dividiu famílias, alienou as pessoas em bolhas ideológicas e revelou um mal-estar íntimo dos cidadãos brasileiros consigo mesmos. E todo esse conteúdo foi projetado na coletividade, formando uma Sombra Coletiva: um rebaixamento de consciência individual perante às massas. A mesma coisa de que já nos alertava – com outros conceitos – o velho Gustave Le Bon e, mais recentemente, René Girard sobre o desejo mimético.

Em Teatro das Sombras mostramos a importância do confronto com a nossa dualidade, com nossas contradições, como um caminho concreto para o desenvolvimento humano. A importância de perdermos a inocência presunçosa de acharmos que somos seres iluminados e olharmos para dentro com mais sinceridade, abrindo, assim, a possibilidade de nos responsabilizarmos pelo mal que causamos ao mundo e a nós mesmos.

O trabalho com a Sombra é o começo deste longo processo de individuação. Neste conflito, enxergamos a possibilidade de algo maior: uma unidade entre o eu subjetivo e o mundo objetivo. Uma totalidade em que essência e existência coincidem. A esta totalidade Jung chamou de Self. Em seus trabalhos, o suíço associa essa totalidade à imagem arquetípica de Deus.

Jung guarda-se dentro do agnosticismo kantiano e conceitua o Self como uma realidade psicológica do homem: o Deus que podemos experimentar! Desta forma, o homem ganha um elemento de referência maior, o que serve como uma ferramenta valiosa para o desenvolvimento humano.

Como psicólogo e, portanto, preocupado com o homem, Jung acerta em se ater aos domínios da psicologia (pelo menos em seus trabalhos nas Obras Completas), pois indica ao homem um caminho possível para o seu desenvolvimento. Esse caminho exige um trabalho consciente de diálogo com o inconsciente e seus símbolos.

Falar de religião em meados do século XX suscitou muitas críticas às suas pesquisas. Acusavam-no de religioso, de místico, de não científico e por aí vai. Mas aqueles que o acusavam estavam enclausurados nos dogmas positivistas e reduzidos a um racionalismo castrador. Em seus trabalhos Jung não dá saltos filosóficos para justificar seus conceitos, mas me permito aqui recorrer à ontologia para dar a base científica que buscavam seus críticos. 

O arquétipo de Deus, ou seja, essa imagem arcaica, primordial, que emerge em nossa psique, não vem do nada (ex nihilo). O que seria um absurdo: do nada não pode vir algo. Faz-se necessário sempre ter havido um Ser Supremo, que seja eterno, imutável, onipresente e onipotente, pois tudo que existe em ato, um dia existiu em potência nessa mesma fonte. Este é o deus dos filósofos!

Percebe-se, por meio da ontologia, uma justificativa segura e apodítica para essa que virá a ser, em nossa psique, uma imagem edéico-noética. Este juízo de que algo há não é analítico; é sintético, a posteriori e a priori. A posteriori, quando a mais comum experiência o revela. E a priori, porque dispensa a própria experiência kantiana, dispensa o próprio homem de existir, pois, como seres contingentes, poderíamos não ser, sem que ‘algo há’, deixasse de ser verdadeiro.

Conhecer a si mesmo não é ceder simplesmente a vontades instintivas, como fazer aquilo que se quer no momento. Isso acaba por nos jogar no mais baixo denominador comum das inclinações corriqueiras. Esse conhecer-se, bem entendido, não se dá de forma natural e espontânea, e aqui faz-se necessária uma pequena distinção entre a vontade e a volição. A volição é esse trabalho consciente da vontade, em que o homem se direciona para um sentido específico de vida, enfrentando as dificuldades que virão. E sobre isso é o nosso documentário Em Busca do Self.

O filme começa expondo um problema: o afastamento do homem da responsabilidade de cuidar de si e do que o cerca. As quatro telas do celular nos afastaram do contato com o mundo real. Estamos numa cultura que privilegia aquilo que é mostrado, a persona social. Isso nos distancia da possibilidade de reconhecer valores no mundo que enobrecem a condição humana. O único valor é aquilo que pareço ser. Ora, uma vivência plena não pode estar baseada numa falsificação em que o farsante vive a própria farsa. Isso certamente leva a sociedade ao cansaço, à superficialidade, a um vazio existencial.

Neste momento em que vivemos, as contribuições de Viktor Frankl sobre valores, liberdade e responsabilidade são fundamentais. Para Frankl, valores e sentido são sinônimos. No Brasil atual, intoxicado por ideologias de todos os espectros, falar em valores pode remeter o leitor desavisado a noções de caráter moralizador. Felizmente, Frankl passa longe de qualquer tentativa de doutrinação.

O que Frankl nos traz é a capacidade humana de reconhecer aquilo que tem valor em si mesmo, objetivamente falando. Frankl não está discutindo nosso gosto pessoal, subjetivo, do que preferimos ou preterimos. Um exemplo nos esclarece: quando Frankl foi convidado a deixar a Áustria para ir aos EUA, seus pais ficariam sozinhos e seriam mandados para os campos de concentração nazista. Frankl decide ficar e cuidar de seus pais. Acabaram todos nos campos de extermínio. Certamente Viktor Frankl preferia ter ido para os EUA e continuado sua vida de médico. Mas, ao recusar um valor superior, não encontraria sentido nessa decisão. Ora, essa hierarquia de valores não isenta o homem de tomar decisões: estamos condenados à nossa liberdade, o que implica também a responsabilização pela ação tomada.

Em Busca do Self é mais do que um documentário: é um convite para que cada espectador assuma o desafio de olhar para dentro de si e reencontrar um sentido que transcenda a superficialidade da vida moderna. Ao aproximar Jung e Frankl, o filme mostra que o caminho para a totalidade não se dá apenas no plano interior, mas também na forma como respondemos ao mundo e aos valores que nele reconhecemos. Entre sombra e luz, liberdade e responsabilidade, a busca pelo Self se apresenta como tarefa urgente para o homem contemporâneo — um chamado à autenticidade, à coragem e à dignidade de viver plenamente.

 

 

 


Lucas Costanzi é documentarista brasileiro e fundador da Sabujo Filmes, produtora especializada em obras autorais e institucionais. Dirigiu os documentários Em Busca do Self (2025), Teatro das Sombras (2022), Bellatrix (2019) e Tormenta (2015), além da série de reportagens televisiva Conexão 360º. É graduado em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica e especialista em Documentário pela ESEC – École Supérieure d'Études Cinématographiques, em Paris.