Discurso de metafísica

Por: André Chagas Ferreira de Souza 

 

Leibniz integra o grupo dos expoentes da história da filosofia por ter desenvolvido diversos conceitos que vieram a se popularizar, com destaque para o de melhor dos mundos possíveis. Muitos autores foram influenciados pelo pensamento leibniziano ou o tomaram como base para suas reflexões, com destaque para Kant, que em sua Crítica da Razão Pura percebeu em Leibniz um dos grandes capítulos do desenvolvimento da metafísica clássica.


Todavia, embora tenha uma vasta obra, Leibniz pouco publicou, e por isso o Discurso de Metafísica é um texto ideal para que o leitor tenha uma introdução à sua filosofia. Essa obra sintetiza as principais teses do seu autor, algumas que ele começou a desenvolver desde muito jovem, enquanto estudante de direito, e outras que foram lapidadas com o avançar da sua idade, quando ele elaborou outros conceitos que também lhe são muito peculiares, como a ideia de mônada. 


No Discurso de Metafísica, é notável como Leibniz traça uma espécie de diálogo com autores do seu tempo e busca reabilitar outros que foram muito criticados na modernidade, como Aristóteles e os Escolásticos. No pano de fundo de tal estratégia argumentativa, está um espírito conciliador, tanto em termos teóricos como práticos, visto que Leibniz ainda buscava contribuir com o processo de pacificação na Europa, muito assolada pelas guerras. Por isso o Discurso de Metafísica é iniciado com a abordagem de temas ligados à teologia, que eram ponto de divergência na época, principalmente em função da disputa entre católicos e protestantes. 


A partir de certas questões teológicas, Leibniz se envereda no Discurso de Metafísica por outras áreas fundamentais da filosofia de maneira madura, como a própria metafísica, ao tratar de ontologia, com destaque para a definição de substância individual. Trata também de ética, ao argumentar a respeito do problema por ele denominado como o labirinto da liberdade, a saber, a conciliação entre a liberdade humana e a predeterminação, tendo em vista a presença de um Deus que tudo fez e tudo sabe. Tal problema, também conhecido como o do livre arbítrio, implicaria outra dificuldade, que seria sobre a origem do mal, se este não seria no fundo causado pelo próprio criador, isentando os seres humanos do afastamento do bem. 


O Discurso de Metafísica ainda inclui a visão científica peculiar de Leibniz, que também representou os grandes espíritos investigativos do seu tempo por ter desenvolvido teorias matemáticas e sobre outras ciências. Leibniz de certo modo ia na contracorrente daqueles que herdaram a visão de mundo da renascença, já que considerava que menosprezar por completo as obras da tradição seria abrir mão de uma maneira mais rica para entender o mundo e talvez simplificar demasiadamente o modo como as coisas se passam na natureza. 


Notamos que a qualidade-chave do pensamento de Leibniz é a harmonia. Por um lado, toda realidade criada está organizada de forma equilibrada pela totalidade dos seres que a compõem, os quais por suas características foram escolhidos para integrar a melhor obra segundo os critérios divinos. Por outro, como não temos o dom da onisciência, resta-nos o exercício conforme diferentes modalidades investigativas para aperfeiçoarmos nosso olhar, num progresso constante do nosso conhecimento, e essa foi uma prática seguida rigorosamente por Leibniz. Esses são grandes ensinamentos que encontramos no Discurso de Metafísica.  
 

 

 

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André Chagas Ferreira de Souza é Doutor em Filosofia pela Universidade de São Paulo e professor de Graduação e Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de Lavras. Especialista nas áreas de História da Filosofia, Filosofia Moderna e Ética. É autor da obra 10 Lições sobre Leibniz, pela Editora Vozes.