A caminho do prazer - Questionamentos, reflexões e práticas

Por: Laura Muller*

 

Este livro é destinado a variados públicos, audiên­cias, leitores, pensadores. A temática central é esta: a práti­ca do sexo. Com tudo o que envolve: sabores, prazeres, de­lícias, satisfações, realizações; dissabores, desprazeres, dores, incômodos, decepções. Sofrimento.

Sim, há muito sofrimento nesse campo, tanto físico quanto emocional, e talvez de outras esferas mais.

É a ereção que não vem. O orgasmo que não chega. A ejaculação que também não vem, ou que chega precoce­mente. A dor na penetração. A impossibilidade da pene­tração. A baixa ou ausência de desejo. E tudo o mais que essas disfunções, devidamente descritas e catalogadas em manuais científicos, podem trazer.

No entanto, não é necessário ser especialista nem ter um manual na mão para saber do que estou falando. Todos nós podemos viver (ou já vivemos, ou estamos vivendo) uma questão delicada, uma dificuldade, um sofrimento como o que estou dizendo aqui. Ou seja, o leitor, em geral, sabe bem da angústia-prazer que a prática do sexo costuma envolver.

E é para esse leitor em geral que começo a escrever aqui. A primeira parte do livro, de perguntas e respostas, é inspirada na minha trajetória como educadora sexual. Comecei, na verdade, não como sexóloga, mas como jor­nalista e editora de sexo da revista Claudia, em 1997. Lá, recebia infinitas cartas, ligações telefônicas e e-mails (sim, não havia redes sociais e as formas de comunicação com os leitores e as leitoras eram essas) de milhares de mulheres e também de algumas dezenas de homens com questões sexuais com as quais lidar. Respondidas por especialistas. Isso me inspirou, três anos depois, a lançar o meu primeiro livro, o 500 perguntas sobre sexo – Respostas para as princi­pais dúvidas de homens e mulheres. Essa obra foi baseada na minha monografia do curso de especialização em sexolo­gia, concluído em 2000, na Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana (Sbrash), e marcaria a migração da minha carreira com o jornalismo, iniciada em 1991 na Folha de S.Paulo, para um universo gigantesco e variado de ações em educação sexual. E, posteriormente, para a minha trajetória como psicóloga clínica e analista junguiana, com consultório destinado a jovens e adultos, para atendimentos individuais, de casais ou até mesmo de famílias.

Sem querer me alongar demais (mas já me alon­gando, apesar de a meu ver estar resumindo ao máximo a minha trajetória, para não cansar você, leitor, com o meu percurso), acho pertinente trazer aqui também a minha chegada à televisão, que colocou um canhão de luz nos meus trabalhos como educadora sexual.

Antes mesmo de entrar para o time do programa Altas Horas, da Rede Globo, como a sexóloga de plantão para esclarecer dúvidas dos jovens da plateia, dos convida­dos famosos e também, claro, do público que nos assistia, já havia alguns anos que eu circulava pelas emissoras. Tudo começou com o lançamento do meu primeiro livro, quan­do fui a dezenas de entrevistas na TV para divulgá-lo. A primeira delas, lembro-me bem, foi no Programa do Jô, na Globo, em 2001. Antes de começar a gravar, senti medo, ansiedade, incômodos físicos, tudo e mais um pouco, no camarim. Afinal, estaria diante de uma pessoa extrema­mente capaz e famosa, para falar de uma carreira na qual eu estava recém-gabaritada. Mas encarei, e fui a essa e a ou­tras tantas entrevistas mais, sempre com o objetivo de falar de forma clara, aberta, tranquila e, principalmente, escla­recedora sobre um dos temas mais tabus da nossa cultura, que é o sexo. E foi dando certo…

Comecei a dar palestras e mais palestras pelo Brasil afora, para jovens, adultos e terceira idade; e lancei, em 2006, o meu segundo livro, com a ideia de repetir o fei­to do primeiro, só que dessa vez para adolescentes. E foi ele, o 500 perguntas sobre sexo do adolescente, que che­gou às mãos da produção do Altas Horas e do Serginho Groisman, abrindo as portas para uma primeira entrevista por lá. No dia seguinte à gravação dessa entrevista, antes de o programa ir ao ar, recebi uma ligação do Serginho: “Quer ser contratada por três meses?” Aceitei na hora, pois minha alma de jornalista sabia do poder de alcance da mí­dia e do quanto isso seria transformador não só para mim, mas para o público em geral. Os conteúdos educativos na área da sexologia chegariam a milhões de pessoas, de uma só vez, a cada uma das minhas breves participações em um programa de TV daquela magnitude, naqueles três meses para os quais seria contratada.

E ainda hoje, escrevendo estas linhas, me emocio­no ao pensar que a ideia do Serginho de ter uma sexólo­ga no programa deu tão certo (e foi tão transformadora, como imaginava) que o nosso contrato se estendeu por 15 anos! Sim, fiquei na Globo, como educadora sexual, respondendo a infinitas perguntas sobre sexo, do início de 2007 até pouco depois do terror-tristeza-alvoroço da che­gada da pandemia de covid-19 no Brasil e no mundo.

Saí do Altas Horas no início de 2022, quando já ti­nha me mudado de São Paulo, onde residi por mais de três décadas, e ido literalmente para o meio do mato, o campo, no interior de Minas Gerais, um resgate às minhas origens e uma transformação possibilitada pela modalidade consa­grada de trabalho online que eclodiu com a pandemia. Mas isso é história para outra hora.

Estou contando tudo isso para dizer que sim, este livro que apresento a você, mais um sobre sexo, agora o sétimo na minha carreira de autora, vai abarcar o campo de perguntas e respostas para o público em geral. Há uma parte gigantesca dedicada a isso e extraída de trabalhos e reflexões anteriores como sexóloga.

Mas o conteúdo não para por aqui. Vai além, bem além… 

Há outra parte neste livro destinada a psicólogos e sexólogos, em formação ou já atuantes. É quando começo a tecer uma teia, ou construir uma ponte, entre duas ciên­cias, ou campos de conhecimento: a psicologia analítica e a sexologia. Talvez seja interessante, então, retomar um pouco mais da minha trajetória e o que me levou e me leva a essas costuras, às interligações entre teorias. Vamos lá: após a especialização em educação sexual, o lançamento do primeiro livro, as entrevistas de divulgação da publica­ção, as palestras e outras centenas de ações nesse campo da sexologia, além dos escritos (colunas, artigos etc.) para re­vistas como Claudia, Nova, Elle, Marie Claire, Playboy, VIP e uma dezena mais, bem como textos para sites e outros espaços que emergiam na internet (ou seja, fazendo uma produção gigantesca de conteúdo enquanto era jovem e dava conta desse ritmo), surgiu uma questão, ou angústia, bem intensa em mim.

Algo reverberava na minha cabeça e em todo o meu ser: “está faltando alguma coisa, algum estudo a mais, algu­ma base maior, algum tipo de ampliação e/ou de aprofun­damento”. Aliado a isso, muitas pessoas, ao final das minhas palestras, perguntavam se poderia atendê-las em consultório, campo destinado exclusivamente a sexólogos cuja formação é em medicina ou psicologia. E veio o insight: preciso me tor­nar psicóloga, ampliar os conhecimentos acerca da psique e me capacitar para atender as pessoas em consultório. Foi o que fiz: em 2008, estava formada e com as portas do consul­tório abertas na cidade de São Paulo. 

A jornada a partir daí ganharia outro colorido. Ou melhor, outra dimensão: algo mais amplo, mais profundo, mais avassalador, que transformaria minha prática como sexóloga, pois agregaria um profundo mergulho na alma humana e no modo de enxergar todas as coisas. Nesse ca­minhar, me identifiquei com a psicologia analítica e, anos mais tarde, fui fazer outra especialização, a formação em análise junguiana pelo Instituto Junguiano de São Paulo (Ijusp), filiado à Associação Junguiana do Brasil (AJB) e à International Association for Analytical Psychology (IAAP).

Trouxe aqui tudo isso para contar para você, leitor, que há também uma parte ampla e profunda sobre a minha práxis no consultório como analista junguiana que sou. E é a conversa bem azeitada (refletida, revista, estudada, digerida, ponderada) entre esses campos de conhecimen­to, a psicologia analítica e a sexologia, que compuseram e compõem a minha jornada de trabalho, de aprendiza­dos, descobertas e reflexões, ou seja, o corpo de conheci­mentos sobre os quais me debruço todos os dias, que vou trazer aqui para você que atende, ou planeja atender, em consultório às queixas que nos chegam relacionadas às dis­funções sexuais. Queixas que tanto nos incomodam nessa nossa atualidade ainda tão cheia, infelizmente, de mitos, tabus, preconceitos e desinformação.

Vale informar também que a linguagem que utilizo ao longo deste livro tem características bem específicas em cada parte. Na primeira delas, de perguntas e respos­tas, é uma linguagem mais do dia a dia, para que a co­municação se dê de forma clara e para uma pluralidade de leitores. Já nas partes posteriores, mais direcionadas a psicólogos e também sexólogos, e com ênfase na aborda­gem junguiana, a linguagem inclui verbetes, pensamen­tos, ideias, modos de colocar as coisas pertinentes a esses campos de conhecimento. Nesse sentido, perde a carac­terística de ser do dia a dia da parte inicial do livro, e ad­quire um tom que se aproxima do linguajar das referidas ciências e suas elaborações.

Para caminharmos um pouco mais aqui, mas ainda a título de introdução, vale afirmar que a vivência da sexuali­dade pode trazer consigo infinitas possibilidades de prazer, mas também uma série de disfunções ou transtornos se­xuais, conforme nomeados no DSM-5 (Manual Diagnósti­co e Estatístico de Transtornos Mentais, Edição Número 5, 2023), e em outras formas de classificação de doenças.

Tais dificuldades emergem, conforme aponta a se­xologia, ao longo da resposta sexual, que é como o corpo humano reage aos estímulos eróticos percebidos via ima­ginação e órgãos de sentido, e é composta por quatro fa­ses, a saber: desejo, excitação, orgasmo e resolução. E há todo um corpo de conhecimentos em sexologia que pro­põe formas de diagnóstico, abordagem e tratamento das disfunções. Em psicologia analítica, no entanto, há escas­sez de literatura acerca da prática do sexo em si, apesar de o próprio Jung trazer, em vários momentos de sua obra, reflexões e observações que muito nos auxiliam na com­preensão clínica da temática. 

Os escritos destas próximas páginas visam, por­tanto, abarcar essas dimensões, cada qual a seu tempo, bem como mergulhar na literatura de Jung e junguianos a fim de tecer costuras entre as abordagens (a psicolo­gia analítica e a sexologia), que possam auxiliar o traba­lho clínico em psicologia profunda com as queixas que chegam aos consultórios acerca de dificuldades sexuais. Vale salientar, desde já, que tais queixas podem ser vis­tas como sintomas de algo que não vai bem na psique. É o corpo apontando o que a alma quer que saibamos e, como nos mostra James Hillman, ouçamos com o coração, neste mundo almado, e adoecido.

Nosso caminhar começará literalmente pelo início, com noções básicas acerca da vivência sexual, a serem es­clarecidas em formato de perguntas e respostas, e destina­das, conforme já expliquei nesta introdução, não só a pro­fissionais como psicólogos e sexólogos, mas sim a todo e qualquer leitor que se interessar pela temática da prática do sexo, com seus prazeres e suas dificuldades.

 

 

 

*Retirado da introdução do livro.


Laura Muller é sexóloga, palestrante, psicóloga clínica e analista junguiana pela AJB e IAAP (Associação Junguiana do Brasil e International Association for Analytical Psycology). É também comunicadora social, tendo trabalhado como jorna­lista para variados veículos de mídia impressa. De 2007 a 2022 foi a sexóloga de plantão no Altas Horas, da TV Globo. Trabalha com atendimentos individuais e para casais, além de produzir conteúdo educativo em sexualidade para mídias digitais (@lauramulleroficial). Coordena uma pós-graduação em sexologia multi­disciplinar pelo Centro Universitário de Rio Preto (Unirp).