Leandro Duarte Rust
Autor dos livros: Bispos guerreiros – Violência e fé antes das Cruzadas, Mitos papais – Política e imaginação na história e Os Vikings – Narrativas da violência na Idade Média.
* Leandro Duarte Rust, nascido em 1981, é historiador e professor na Universidade de Brasília. Autor de Colunas de São Pedro: a política papal na Idade Média Central; A Reforma Papal (1050-1150); dentre outros.
Conheça mais sobre o autor na entrevista abaixo!
– Como e quando surgiu a ideia de escrever seu primeiro livro, e qual foi?
Como acontece com grande parte dos pesquisadores de ciências humanas, meu primeiro livro foi minha tese. “Colunas de São Pedro: a política papal na Idade Média Central” é uma versão revisada da tese de doutorado que defendi na Universidade Federal Fluminense em janeiro de 2011. A ideia de escrevê-lo era, portanto, também a obrigação de o escrever (risos). Mas é claro que o compromisso não resume tudo: a publicação de “Colunas de São Pedro” foi a conclusão de uma longa jornada de interesse pela maneira como os papas exerciam seu poder na Idade Média, tema que cativou minha atenção na graduação, nos idos dos anos 2000, e que exerceu desde então uma atração constante sobre minha curiosidade, disciplina e empenhos.
– Onde busca inspiração para os temas de seus livros?
Quase sempre na angústia. Não é força de expressão, tampouco estou tentando soar exagerado. O que me move na direção do estudo – e por conseguinte na escrita de livros – costuma ser a mistura de estranhamento e de indeterminação causada por certos assuntos, de me ver diante de algo que contraria o que vem à minha mente de modo espontâneo ou que confronta meu senso de moralidade. Eu tento, então, reagir a esse contato que vai deixando uma crescente sensação de incompletude, de insuficiência das ideias, de compressão da razão. Os temas dos meus livros são precisamente aqueles assuntos que me perturbam como um espelho angustiante, onde vejo o reflexo das pretensões ainda não percebidas, onde começo a notar minhas precipitações, minhas tentativas surdas de enjaular o real em esquemas rígidos e estereótipos. É então que me lanço a mudar, a dilatar os horizontes do possível, a conquistar novos palmos de chão na capacidade de explicar o passado e a condição humana. É então que faço da escrita meu campo de batalha contra a angústia de não ter me dado conta da pequenez do meu saber.
– Geralmente demora quanto tempo para escrever um livro?
De 3 a 4 meses. Mas isso pensando apenas na escrita do livro como ele vai para a editora – que não é a etapa mais demorada de trabalho. Geralmente, esses 100 dias de escrita ocorrem após meses de intensa preparação: são necessárias horas e horas a fio de leitura e sistematização documental; outras tantas, quase tão incontáveis, para o estudo de bibliografias específicas e formulação de posicionamentos. Tudo transcorrendo com o controle de anotações, registros e apontamentos que vão dando forma ao livro. Se incluirmos esse tempo, a escrita do livro costuma levar, no mínimo, de 1 a 2 anos.
– Qual livro está lendo agora?
Estou lendo “O Massacre dos Libertos: sobre Raça e República no Brasil”, de Matheus Gato. Um livro magistral em muitos sentidos, da letra ao conteúdo.
– Já tem um tema para um próximo livro??
Tenho, sim. Eu estou trabalhando em uma biografia de Bento IX, um pontífice da primeira metade do século XI e candidatíssimo ao posto de um dos “piores papas da história”. Foi bispo de Roma por três vezes, sempre envolto em numerosos escândalos eclesiásticos, deposições, revoltas populares, negociatas e invasões. Meu objetivo – até o momento – é tomar Bento IX como fio condutor em um labirinto de questões maiores: 1) escrever uma “história da corrupção” (de como os medievais percebiam a corrupção e como se davam as ações apresentadas como “anticorrupção”); 2) tentar entender um pouco como as culturas políticas redesenhavam as mudanças de regime, abarcando, com isso, desde as eclosões da violência até as estratégias de aliança dos grupos no poder.
– Sobre seu novo livro, “Os Vikings: narrativas da violência na Idade Média”, na pesquisa para escrevê-lo descobriu algo curioso e que não contou no livro?
Olha… eu acho que não. Melhor dizendo, conscientemente, não (risos). Tudo que me pareceu ser digno de nota ou mesmo interessante o suficiente para manter o leitor ao meu lado, coloquei no livro. Não guardei nada para mim (risos). Além do mais, “Os Vikings” não é uma obra que traz à tona temas inéditos, algo como personagens ou episódios desconhecidos. Ao contrário, o livro é uma tentativa de escrever uma história da violência vasculhando materiais e documentos históricos conhecidos há muito tempo. Não é tanto o conteúdo da pesquisa que o particulariza, mas sim uma certa maneira de pensar e indagar o passado.
– Tem algo característico dos vikings que a gente encontra ainda hoje em alguma população do mundo?
Essa pergunta excede bastante minha capacidade de resposta. Ela implica em ser capaz de pensar os vikings como história, cultura, geografia, memória e patrimônio demográfico. Sem sombra de dúvida, só um escandinavista pode dar conta desse desafio. No entanto, eu gostaria de fazer uma observação: nós costumamos falar em “vikings” como se fossem um povo do passado, tal como quando falamos, hoje em dia, em “franceses” ou “nigerianos”. Contudo, no livro, tendo por referência as narrativas latinas que estudei, empreguei o nome de outro modo. Lá, ele não convém a uma formação etnográfica tão abrangente e compacta, mas a um tipo social por vezes transitório: considerei “viking”, acima de tudo, aquele que se lançava à incursão sobre e/ou à conquista de um território em meio aos mares do norte. Ou seja, “viking” é ali o nome cabível ao viajante, ao pirata ou ao guerreiro (enquanto desempenhava esse papel), não a uma cultura inteira localizada em uma porção do mundo, de uma população e seus costumes, nem de instituições e formações sociais. Quando se trata da caracterização de uma população, portanto, talvez o nome “viking” seja um elemento que inscreva mais dificuldades, torne a relação mais confusa do que esclarecedora. Claro que falar em “mares do norte”, em se tratando a Europa, faz com que a expressão convirja para a Escandinávia, mas, ainda assim, me parece que, sem os devidos cuidados, nós podemos acabar relacionando termos e referências que mais restrinjam do que enriqueçam nossa visão de mundo.
– Poderia indicar para os leitores um livro que marcou sua vida e que vale muito a pena a leitura?
Claro que sim! “Livro do Desassossego”, de Fernando Pessoa.
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