Direção espiritual e meditação

Por: Cristóvão Meneses

Quem arrisca confiar seu âmago nas mãos de alguém com pouca familiaridade com a vida interior? Quem não desistiu de procurar determinado padre por perceber sua falta de “repertório”? Quem não buscou a confissão, mas utilizou-se do tempo para obter alguma direção espiritual? Quem ainda não procurou a direção para entender a vontade de Deus em alguma situação de sua vida?

Perguntas como estas podem surgir quando o assunto é a Direção Espiritual. Recordo de ter recorrido a muitos sacerdotes, experientes ou não, para obter uma palavra de alento na caminhada, principalmente na época de discernimento vocacional, ou melhor, no importante momento de decidir o estado de vida. Não tinha tantos critérios para escolher um, bastava que o padre tivesse disponibilidade para dialogar. Os mais cuidadosos procuravam investigar as reais motivações para ingressar na vida religiosa, outros diziam simplesmente “vá, faça a experiência no convento e veja no que dá”. Na realidade, a Direção Espiritual é muito mais que isto: além de ser uma ajuda em momentos cruciais da caminhada de fé, é um dos meios exteriores para alcançar a perfeição e a conformidade com a vontade de Deus, a fim de responder ao seu chamado à união com Ele. A Direção Espiritual, embora não sendo absolutamente necessária para a santificação das almas, é, contudo, o meio normal para o progresso espiritual[1]. Afinal, para sair do Egito e dominar as paixões desordenadas é preciso um Moisés que nos sirva de guia.

O Diretor Espiritual, cuja ciência nos esclarece e a experiência nos reconforta, é um instrumento importante para se alcançar a liberdade interior e, por conseguinte, dar passos seguros na vida como um todo. Um exemplo que confirma o quão imprescindível são as palavras de um diretor está na paterna fala que Dostoiévski colocou na boca de um de seus mais ternos personagens, o monge Zossima, na ocasião em que uma viúva esmagada pela culpa o procurou para confessar seu pecado. Disse ele:

– Não tenhas medo de nada, e nunca tenhas medo, nem caias em melancolia. Desde que o arrependimento não míngue em tua alma, Deus perdoará tudo. E ademais não há nem pode haver em toda a Terra tamanho pecado que o Senhor não perdoe àquele que em verdade se arrepende. Além disso, um homem não pode, absolutamente, cometer um pecado tão grande que esgote o infinito amor de Deus. Ou será que pode haver um pecado capaz de superar o amor divino? Preocupa-te apenas com o arrependimento, sempre, e quanto ao medo, afugenta-o de todo. Crê que Deus te ama de uma forma que nem imaginas, e te ama mesmo com teu pecado e em teu pecado. Há maior júbilo no céu por um pecador que se arrepende, do que por dez justos – isto foi dito há muito tempo. Vai, e não tenhas medo. Não fique amargurada com as pessoas, nem te zangues com as ofensas. Perdoa tudo do falecido em teu coração, suas ofensas, reconcilia-te de fato com ele. Se arrependes, é porque também amas. E se amas, então já és de Deus… Com amor tudo se resgata, tudo se salva. Se até eu, um pecador como tu, fiquei comovido contigo e tive piedade de ti, que dirá Deus! O amor é um tesouro tão precioso que com ele podes comprar o mundo inteiro, e ainda redimes não só teus pecados, mas também os dos outros. Vai, e não tenhas medo.[2]

Nesse sentido, fazer direção espiritual implica um esforço de investigar o que a alma quer, sente e busca diante da vontade de Deus que a interpela. O desejo de ser dirigido por alguém e ao mesmo tempo não saber o que dizer ou por onde começar, pode denotar, não obstante, um espírito extremamente simples ou um longo caminho a ser percorrido na companhia do diretor, em que será exigido obediência, colaboração e disposição durante o trajeto.

Porém, não é de se espantar que alguém prefira procurar um psiquiatra que um diretor espiritual; o que pode ser, em determinados casos, adequadamente necessário. Trata-se de dois meios totalmente distintos. A psiquiatria pode, como afirma Thomas Merton, intervir utilmente nas graves crises a que está sujeito o maduro desenvolvimento de uma vida contemplativa.[3]

Direção espiritual e meditação
Direção espiritual e meditação

Merton trata massivamente do tema na importante obra “Direção Espiritual e Meditação”, o último lançamento da Editora Vozes que, só nas primeiras semanas, já vendeu cerca de 2/3 da sua tiragem. É um livro imprescindível para sacerdotes que precisam de maior segurança ao tratar do tema; e fundamental aos que são dirigidos, para que possam corresponder com docilidade generosa e constante às graças do Espírito Santo para alcançar a união com Cristo. A parceria entre a Vozes e a Associação Thomas Merton na presente edição garante uma profícua divulgação.

Merece destaque, para concluir, as importantes notas do diário A Search for Solitude, em que Thomas Merton traz lúcidas reflexões sobre Direção Espiritual. São intuições iniciais que ganhariam forma e se tornaria o livro que hoje temos nas mãos:

13 de agosto de 1952. Dia de Recolhimento

A direção espiritual não consiste meramente em dar conselhos. O homem que tem apenas um conselheiro não tem realmente um diretor no sentido mais amplo. Já que a vida espiritual não consiste em ter e pensar, mas em ser e fazer; um diretor que só dá ideias não começou a formar aquele que ele dirige.

[…]

O diretor deve estar disposto a sacrificar a si mesmo e seu tempo por todos que precisam dele, mas sobretudo para quem mostra, por sua atitude, que depende dele. O quase contrato entre o diretor e seu sujeito está formalmente completo assim que o assunto toma uma decisão, após séria reflexão e oração.

[…]


O diretor, por sua vez, deve estar pronto com incansável paciência para ouvir e observar e aconselhar e guiar a alma, percebendo suas próprias deficiências.[4]

Por fim, e por tudo que ligeiramente fora aqui abordado, concluímos que a Direção não é uma orientação meramente moral, social ou psicológica. É espiritual. E que seu objetivo é estimular as pessoas a adentrar no mais íntimo de si mesmas, lá onde são conhecidas aos olhos de Deus, para chegar mais fácil e rapidamente ao crescimento espiritual e à perfeição.

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Cristóvão Meneses é presidente da Associação Thomas Merton. www.merton.org.br


[1] TANQUEREY, Adolphe. Compêndio de Teologia Ascética e Mística. Campinas: Ecclesiae, 2018, p. 235

[2] DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Os Irmãos Karamázov. Volume 1. São Paulo: Editora 34, 2008, p. 82

[3] MERTON, Thomas. Contemplação num mundo de ação. Petrópolis: Vozes, 2019, p. 158

[4]________________. A Search for Solitude. New York: HarperOne, 2009, p. 7