Sobre “O retorno da sociedade – Política e interpretações do Brasil”
Por André Botelho (Universidade Federal do Rio de Janeiro)
O Retorno da Sociedade, que está sendo lançado pela Editora Vozes, é um livro que se volta para o olhar particular da sociologia sobre a política. Especialmente para uma de suas vertentes brasileiras, desenvolvida ao longo de cinco décadas durante o século XX. Apesar de reconstituir uma tradição intelectual do passado, o livro é uma aposta teórica nos chamados ensaios de interpretação do Brasil e na sua capacidade de nos ajudarem a esclarecer a dimensão de processo que o presente sempre esconde.
Recolocando a política e o Estado na sociedade, a tradição intelectual apresentada problematiza a ideia de que as instituições sejam espaços de ação autônoma em relação aos valores e às práticas sociais vigentes na sociedade. A partir da sociologia politica aqui reconstituída, aprendemos que as inovações institucionais e políticas nunca ocorrem num vazio de relações sociais, por isso sua força ou a fragilidade dependerá sempre da qualidade da sua interação na sociedade.
A agenda de pesquisas da sociologia política pesquisada compreende textos e contextos muito diversos. Fundamentalmente, envolve de Populações meridionais do Brasil (1920), de Oliveira Vianna, a Homens livres na ordem escravocrata (1964), de Maria Sylvia de Carvalho Franco, passando por Lutas de famílias no Brasil (1949), de Luis de Aguiar Costa Pinto, Coronelismo, enxada e voto (1949), de Victor Nunes Leal, e diferentes pesquisas de Maria Isaura Pereira de Queiroz, desenvolvidas nas décadas de 1950 e 1960, entre outros. O reconhecimento da importância dessa tradição intelectual, não apenas em termos dos seus significados históricos, mas também dos seus sentidos teóricos no contexto contemporâneo dos estudos sobre política e sociedade é, portanto, o que estimula a composição em conjunto dos meus textos até então esparsos.
É urgente hoje responder se as inovações institucionais da democracia e seus avanços substantivos nas últimas décadas estão ou não suficientemente enraizados na sociedade brasileira, cujo conservadorismo e autoritarismo históricos parecem retornar, violentamente e com legitimidade social, ao espaço público. A ideia de “retorno da sociedade” escolhida para o título tem, então, esse primeiro sentido, de voltar a atenção para aquilo que, mesmo recalcado, pôde ter estado sempre presente: a velha sociedade brasileira, historicamente marcada por valores e práticas sociais e culturais autoritários de socialização e de orientação das condutas, de afirmação das hierarquias nas mais diferentes relações sociais e de reiteração das desigualdades. Mas o retorno da sociedade no contexto desta coletânea tem também outros significados. Igualmente urgente, me parece, é retomar a discussão sobre o papel da sociedade na configuração das formas de solidariedade e de participação social, e seu peso na definição das possibilidades e limites da ação coletiva. Considerados as principais forças sociais de mudança do nosso tempo, os movimentos sociais e a ação coletiva não raro são vistos com excesso de voluntarismo, como se constrangimentos estruturais, condicionamentos históricos e mesmo escolhas do passado pouco pesassem sobre a ação.
Proponho assim um mergulho em interpretações e temas clássicos da sociologia política brasileira para trazer à tona questões cruciais também contemporâneas. Relações entre sociedade e Estado. Baralhamento entre público e privado. Cultura política personalista. Limites da participação social e da ação coletiva. E porque a atuação política sempre implica em formas de pensar e de sentir o país, defendo que as interpretações do Brasil passam a ser chave para abrir a caixa-preta das relações entre política e sociedade.
Não sabemos ainda se conseguiremos alcançar um equilíbrio, mesmo que delicado, entre sentimentos de solidariedade civil e paixões e interesses particularistas em nossa vida pública. Mas esse também é um desafio intelectual e político central do nosso tempo. Nosso passo nessa direção é trazer à tona a vertente da sociologia política que pesquisamos e, com ela, repensar o papel da sociedade na configuração das possibilidades e limites da política.
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