Francisco de Assis: um Evangelho Cósmico, uma Ecologia Integral

Conhecido amante da natureza, São Francisco fora proclamado em 1999 “patrono dos cultores de ecologia”, pelo papa João Paulo II. Mas foi 16 anos depois, em 2015, que um Papa inspirado por ele, entregou à Igreja uma encíclica direcionada a ecologia.

Embora se conheça um Francisco de Assis meramente “ecológico”, as raízes de sua “ecologia” (entre aspas porque este termo não era conhecido no século XIII, como o temos hoje), estão fundadas e cresceram no solo de sua conversão cristã.

Do desejo de ser cavaleiro e da busca de glórias humanas, Francisco experimentou uma mudança radical em sua vida, provocada pelo Encontro com o Senhor, que aos poucos o cativava por uma outra nobreza, a do Evangelho. Ele passou a querer viver a vida de Cristo e dos apóstolos que, percorrendo o mundo com o anuncio da boa notícia, não tinham onde reclinar a cabeça; escutar a voz de Jesus Crucificado, que falara com ele, o atraiu para a imagem da cruz; as feridas dos hansenianos o tocaram profundamente, chamando-o à sua própria fragilidade. Aos poucos se delineava uma espiritualidade pautada na pessoa do Cristo pobre, humilde e crucificado.

Este Cristo, muito real para Francisco, não era apenas um ideal, mas seu grande interlocutor e amigo: ele queria ser pobre como Cristo, sofrer os desabrigos do próprio Cristo, suportar a cruz como ele, porque acreditava na sua ressurreição. Tudo podia suportar com alegria, não porque era um derrotado ou masoquista, mas porque havia experimentado a vitória da ressurreição. Aos poucos, o Pobre de Assis ia compreendendo o que era ser um só com Cristo, a ponto de receber de Deus, em seu corpo, as mesmas marcas dos cravos que estão no corpo de Cristo.

Até aí, tudo bem… esta é a história conhecida sobre São Francisco. Onde entra, no entanto, a parte da ecologia?

Acontece que, esta similaridade com Cristo – que inclusive não é novidade de Francisco, mas uma implicância do próprio batismo cristão – deseja tornar o ser humano, a exemplo de Cristo, um homem novo, a figura do novo Adão.

E foi isto que aconteceu à São Francisco, ele empreendeu um seguimento tão radical de Cristo, que este o conduziu novamente ao Jardim de que se fala no Gênesis, onde ser humano e criação não são coisas separadas e exteriores um ao outro, mas vivem na harmonia das origens. É por isso que o Santo, mesmo sofrendo as dores da doença e os tormentos do final da vida, quando já estava cego, pode louvar a Deus por toda a criação, no famoso Cântico das Criaturas, que dera nome à encíclica do Papa Francisco. Fez uma experiência de comunhão tão profunda que a própria morte fora aceita como uma irmã, que leva o ser humano à plenitude da vida.

E é aí que se encontra o ponto de intersecção entre Francisco de Assis e o Francisco de Roma, na Encíclica Laudato Sí’. O papa, inspirado pelo Santo, reconhece a necessidade e anuncia uma conversão ecológica, entendida num plano integral.

Recorda o pontífice que a obra da redenção realizada por Cristo só pode estar completa quando for elevada ao todo da Criação, numa reorganização do cosmos, visto que Cristo é o Senhor do Cósmos, como afirma São Paulo. Exemplo disso é o próprio Francisco que, começando pela reconciliação da própria história, chegou à unidade com todo o criado, de modo a tornar-se novamente o Jardineiro das obras de Deus, serviço abandonado por um Adão entregue ao pecado.

Este chamado a uma ecologia integral, feita pelo Papa, impele a Igreja a trabalhar pela plenitude da vida. É ecologia porque evoca a ideia da casa – o oikos – comum, e é integral porque não visa apenas plantas ou animais, como algo separado do ser humano. Urge embrenhar-se no caminho proposto pelo assisense: valorizar o ser humano como um irmão, que tem direito à vida, a alimentação, à cultura, compreendendo que a forma como se lida com o mundo nada mais é que o reflexo da maneira como se trata o outro.

O anúncio do Evangelho encontra pleno efeito, quando assume o senhorio do mundo por meio do cuidado.