Ideologia e feminismo – A luta da mulher pelo voto no Brasil

Publicado originalmente em 1980, "Ideologia e feminismo – A luta da mulher pelo voto no Brasil” é um marco pioneiro nos estudos sobre mulheres e política no Brasil. Em tempos de avanços e retrocessos nos direitos femininos, a obra permanece fundamental. 
Ao analisar a luta pelo voto feminino no Brasil e compará-la aos movimentos na Inglaterra e nos EUA, o livro oferece uma reflexão atual e necessária sobre o feminismo como perspectiva teórica e histórica. Uma leitura indispensável para compreender o passado e iluminar o presente.
Branca Moreira Alves, autora do livro, nos conta no texto abaixo o que a motivou a escrever esta importante obra. Confira!

 

Por: Branca Moreira Alves

Por que contar essa história?

 

Quando fiz 18 anos, como todos os brasileiros alistados na forma da lei, pude votar. Fui ao local de votação sem qualquer emoção, sem sequer ter a curiosidade de buscar saber como eu havia adquirido esse direito. Era como se tivesse sempre sido assim desde que eleições existiram no sistema político brasileiro! Nem o fato de meu pai, que me acompanhara, ter feito uma foto minha afastando a cortina que protegia o local onde ficava a urna, despertou minha curiosidade. Seria apenas mais uma foto de família.

Não lembro, até àquela altura, que houvesse em nossa casa conversas sobre política.  Sabia que meus pais tinham apoiado Juscelino para a Presidência em 1955. Mas esse apoio não precisava ser discutido ou explicitado porque meu pai, também mineiro, e Juscelino, eram amigos desde os tempos de Belo Horizonte.

Talvez por isso eu não tivesse prestado nenhuma atenção ao significado de ter adquirido o direito de voto. Tanto que só lembro que votei para vereador em um amigo de meu pai, sem me preocupar em conhecer suas propostas, se é que tinha alguma... Quanto aos demais candidatos daquele ano de 1958, só mesmo pesquisando no Google...

Passam-se os anos, vem o golpe de 1964, e o ambiente antes despolitizado de minha família se transforma da noite para o dia. A política entra como parte do cotidiano e modo de vida, acirrada pelo fato de meu irmão, Marcio Moreira Alves, ter sido eleito em 1966 Deputado Federal pelo Rio de Janeiro. Sua história é bem conhecida.

Em 1968 eu havia começado o curso de História na Faculdade Santa Úrsula. A agitação estudantil, também bastante conhecida, que começara em Paris nesse mesmo ano e tomara o mundo, chegou ao Rio de Janeiro, e com ela meu processo de conscientização política se acelera.

Em 1970 sou aceita para concluir meu curso na Universidade da Califórnia, em Berkeley. No Brasil começava o violento governo do General Garrastazú Médici; em Berkeley, a mais completa liberdade, apesar de estar o país imerso no círculo vicioso da Guerra do Vietnam.

Por que conto essa história pessoal? Porque naquele ambiente luminoso em que se discutia e se protestava às claras busquei estudar a história e os teóricos das lutas revolucionárias do passado e do presente, o que no Brasil não me teria sido possível. Mas nessa busca eu não tinha um olhar para a luta das mulheres. Nem eu, nem meus professores. O tema simplesmente não existia!

Foi só nos últimos meses que uma pergunta simples de uma amiga: “O que você acha do feminismo?” abriu esse território  desconhecido: a luta das mulheres. Fiquei pasma! Então havia um movimento ali mesmo na minha frente, na efervescência daquele campus onde tudo acontecia, e eu não tinha visto? Assim como não tinha visto a luta secular das mulheres quando pesquisava as revoluções? Onde estava escondida essa História? Por que eu não a havia encontrado em minhas pesquisas? Encontrara camponeses e operários, seus historiadores e pensadores, mas onde estavam as mulheres?

A pergunta mudou meu olhar e meu cotidiano.

Completo esse relato com o apelo de Bertha Lutz: “Alguém precisa contar essa história, porque nós não tivemos tempo!”

 


Branca Moreira Alves é formada em História e Direito e mestre em Ciências Políticas. Engajada no movimento feminista, foi a primeira presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher do Rio de Janeiro (Cedim) em 1987. Inaugurou e dirigiu, em 1992, o escritório para o Brasil e Cone Sul, do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem). É autora de diversas obras sobre a participação política das mulheres e temas relacionados ao feminismo.