A ressurreição de Cristo: Um chamado à vida nova
Trecho retirado do livro "Ungidas - Um itinerário de oração no encontro das mulheres com Jesus".
Entramos na quarta semana com Maria Madalena, a primeira “discernidora” da ação do Senhor Ressuscitado. A Ressurreição vai acontecer no silêncio da noite e sem testemunhas, como que querendo nos dizer que é esse o modo de agir de Deus. De madrugada, ao raiar do dia, bem cedinho, ao nascer do sol. Não em uma luz muito intensa capaz de nos cegar e impressionar, mas em uma luz suave e discreta que se inicia.
A relação com o Senhor se estabelece em níveis de amizade, que consola pela aproximação de um amigo, e aumenta, assim, a esperança. A ressurreição, a alegria do Senhor, é também “por mim”. “Pedir a graça para me alegrar e gozar intensamente por tanta glória e gozo de Cristo, nosso Senhor” (EE 221).
Uma presença que dá vida
O Ressuscitado se apresenta como uma presença geradora de vida: deixa-se ver, sai ao encontro, fala, interpela, corrige, anima, comunica paz, segurança, alegria, confirmação. Seu modo de se fazer presente é pessoal, identificando-se, de nome em nome, suscitando as boas lembranças e as experiências corriqueiras. Seus encontros são fugazes. Busca apenas tocar o coração, dando um sopro de vida que lhe permita reagir, sacudir a tristeza e devolver as pessoas à vida. Chama a atenção uma constante nos relatos que narram o encontro com o Senhor Ressuscitado. Encontramos uma estrutura básica comum38:
- Uma situação humana de tristeza, de medo, de incredulidade. Madalena chora (Jo 20,11); os discípulos de Emaús, desanimados, se afastam da comunidade (Lc 24,15); os discípulos estãocheios de medo (Jo 20,19); Tomé não crê (Jo 20,25b).
- Jesus aparece, mas não é reconhecido; interpela as pessoas que não o reconhecem mediante uma pergunta: “Por que choras? A quem procuras?” (Jo 20,15). “Que palavras são essas que trocais enquanto ides caminhando?” (Lc 24,17). “Acaso tendes algum peixe?” (Jo 21,5).
- Jesus revela sua identidade com algum sinal: Madalena o reconhece quando Ele a chama pelo nome (Jo 20,16); os discípulos de Emaús, ao partir o pão (Lc 24,31); os discípulos fechados, quando lhes mostrou as mãos e o lado (Jo 20,20); os discípulos nas margens do lago, recolhendo a rede cheia de peixes (Jo 21,6)…
- Jesus ordena uma missão. A experiência do encontro com o Ressuscitado não se limita a ser uma consolação para a pessoa. Jesus sempre nos dá uma missão: anunciar e compartilhar a alegria. Ele diz a Maria: “Vai, porém, a meus irmãos e dize-lhes…” (Jo 20,17); os discípulos de Emaús voltam para a comunidade (Lc 24,33); aos que estavam fechados: “Eu vos envio” (Jo 20,21); a Pedro, às margens do Tiberíades: “Apascenta as minhas ovelhas” (Jo 21,15-17).
Escutar nosso nome
Na manhã de Páscoa, há uma mulher que nos surpreende. A dor por aquele que ela ama a move. Ela não se resigna à ausência ou à ideia da morte. Ela se levanta à noite para procurar. Ela é uma mulher de Magdala, um lugar às margens do lago de Tiberíades, onde as tropas romanas estavam assentadas.
Maria Madalena é uma boa companheira quando passamos por circunstâncias de uma vida sepultada, quando não sabemos o que fazer diante da dor alheia, quando estamos perto de pessoas que vivem realidades de desesperança, onde parece não haver uma saída, com pedras que se estão acumulando e paralisando nossa vida; quando já estamos tentadas a dizer: “Não há nada a fazer, as coisas não vão mudar”.
A pedra foi removida, e ela olha para dentro do túmulo… e Jesus não está lá. Ela volta correndo para a cidade para contar aos outros. É a primeira corrida de Maria: “Retiraram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde o colocaram” (Jo 20,2). Os dois homens, Pedro e João, depois de verem isso, se vão e deixam Maria chorando ali, de pé junto ao sepulcro. O verbo grego que aparece é histemi, que significa também resistir, permanecer, ficar firme. Maria volta a olhar uma vez mais para dentro da tumba e vê dois anjos, mas seus olhos estão presos na dor e na tristeza.
E ali Jesus lhe diz: “Mulher, por que choras? A quem procuras?” Ela, acreditando que fosse o jardineiro, lhe diz: “Senhor, se foste tu que o levaste, dize-me onde o puseste e eu o irei buscar!”, e Jesus diz: “Maria” (Jo 20,14-16).
Jesus se aproximou de Maria Madalena e se pôs em contato com os seus afetos, que haviam sido radicalmente vulnerabilizados pela perda. “A conhecia pessoalmente; por isso pôde chamá-la pelo nome, tomar a sua história e suas raízes, tocar seus desejos e suas buscas e impulsioná-la a superar a sua aflição, criando as próprias possibilidades. Agora ela podia ver e reconhecer a vida que estava buscando” (Georgina Zubiría).
Só quando ela escuta o próprio nome da boca de Jesus – “Maria” – é que entra em si mesma e pode se reconhecer e o reconhecer. Ao chamá-la pelo nome, Jesus assinala o caminho para si mesma e a tira de sua tristeza. É amada na totalidade da sua vida, tudo é acolhido nesse amor, tudo encontra o seu lugar. Maria se volta e seu olhar agora está livre do que acreditava saber sobre Ele. Reconhece Jesus vivo, experimenta a alegria de saber que Ele a ama de maneira irrepetível e que nada poderá ocupar esse lugar em seu coração.
Quando descobrimos nossa própria verdade, quando nos sentimos chamadas pelo nosso próprio nome, quando nos sentimos aceitas na mulher que cada uma de nós é, então acontece o reconhecimento de quem somos e de quem Ele é para nós. Ela o chama de Rabbuni (Mestre), Aquele que a havia ensinado a viver. Escutá-lo pronunciar o nosso nome, para descobrir na sinceridade do nosso coração o caminho pessoal que ninguém pode percorrer por nós.
O encontro com Jesus foi para ela o ponto de inflexão em que a sua vida começou a lhe pertencer pela primeira vez, em que ela pôde reencontrar a si mesma. Para ela foi o ponto de partida do qual surgiu a ordem na sua vida, onde alcançou firmeza e segurança, onde se fechou o abismo que se abria sob os seus pés, encontrando nele algo como uma âncora para a sua existência…
Se pudermos dizer de Maria, a mãe de Jesus, que ela só viveu para Ele, de Maria Madalena teríamos que dizer que ela só viveu por Ele… O que ela podia ser só o foi por Jesus. Em relação aos outros se diz que deixaram tudo para se juntar a Jesus. Maria não tinha nada para deixar, só a ganhar. Ela não o seguiu como os outros; ela só sabia que Ele era o único lugar no mundo onde ela poderia viver e onde poderia se abandonar à vida (J. E. Drewermann).
“Vai, porém, a meus irmãos”
Maria Madalena está tão emocionada que se põe aos seus pés para abraçá-lo, deseja detê-lo, não quer deixá-lo ir. “Jesus lhe diz: ‘Não me retenhas [não me abraces!]. Vai, porém, a meus irmãos e dize-lhes: Subo a meu Pai e vosso pai; a meu Deus e vosso Deus’” (Jo 20,17). Jesus não quer que Maria o detenha; ela agora tem uma missão: ir aos irmãos, manifestar a força desse amor que ela experimentou. Não é um amor que amarra, mas, sim, um amor que liberta. Um amor que respeita o mistério do outro. No outro sempre há algo que só pertence a Deus.
Jesus, no momento da ressurreição, não se manifesta publicamente sobre o templo, mostrando finalmente que foi Ele quem ganhou; nem sequer procura humilhar aqueles que o haviam humilhado. Somente busca estabelecer contatos pessoais:
A ressurreição de Jesus é algo assombroso, mas também algo despojado, como tudo o que Ele faz. Jesus se manifesta a algumas pessoas que serão totalmente transformadas em seu interior. Seus corações, que estavam cheios de tristeza pela perda, descobrem quem são… e quem é Jesus… Jesus se vale do encontro pessoal para expandir a comunhão (J. Vanier).
É significativa a transformação do olhar de Maria Madalena na tarde do sábado e na manhã da ressurreição. Ela passa da opacidade à transparência. Porque sustentou seu olhar diante do Crucificado, pode agora receber uma nova luz do Ressuscitado. A realidade é a mesma, mas ela a vê distinta, como outra luz: “A luz que inunda o mundo e nos beija os olhos e o coração” (R. Tagore).
O encontro com Jesus devolve Maria para a comunidade não só como filha muito amada, mas também como irmã de todos. Voltava com olhos e ouvidos novos, e mãos também novas. Fora banhada, por alguns momentos, na Luz. Na primeira corrida, do sepulcro até a comunidade, Maria vai dar uma informação; agora empreende uma segunda corrida: voltava, mas levava consigo toda a sua vida transformada. E essa é a boa nova que ela anuncia, o gozo que nada nem ninguém poderá lhe tirar. O Evangelho não relata, mas é certo que Maria choraria também no final, agora não mais lágrimas de dor, mas lágrimas de agradecimento, daquelas que curam, daquelas que sabem que a vida passa pelo sofrimento, mas que é, por causa do amor, mais forte que a morte.
Vamos também, com Maria Madalena, nos deixar reencontrar, submersas em sua Luz; pedir que ela nos revele as nossas palavras de vida, aquelas palavras com as quais nos tem encorajado, erguido, colocado de pé, lançado em direção aos irmãos.
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38. Tomo este aparte da estrutura comum dos Exercícios Espirituais de T. Mifsud, SJ, ministrados em Copiapó, Chile, em abril de 2000.
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